Mediunidade e Drogas

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Tanta Droga!?

De: Maisa Intelisano
Para: Eudison Leal
Data: 02/05/2007 21:32
Assunto:
Estado de transe induzido;
sociopatologias, pseudo-mediunidade e drogas

Interessante para reflexão.

Maísa

—– Original Message —–
From: “Lázaro Luiz Trindade Freire”

> Patrícia Montini: Cabe aqui uma reflexão…porque que tanta droga no mundo atual?
> Pra que ficar artificialmente excitado, depois relaxado, depois
> alucinado ou apagado muitas vezes pondo em risco o nosso “veículo”?

Além das já sabidas, psicossociais, vou dar uma OUTRA visão,
complementar, com enfoque na neuropsicanálise.
Primeiro, alguns dados e conceitos:

Criamos um estilo de vida repleto de informações e pressões, que
gerou uma sociedade LOTADA de híper-ativos portadores de TDAH / DDA, patologia caracterizada por baixa presença de dopamina no cérebro.

Aliado a isso temos, para alguns autores e critérios, uma taxa de
quase 40% de limítrofes (border-lines) alterando entre neuroses
cotidianas e psicoses (delírios e/ou alucinações).

Que somos todos neuróticos, sabemos desde Freud. Que stress foi o mal do século, também. Mas ao sermos incentivados a nos tornarmos também psicóticos – pela sociedade extremista que pede “atitude”, ou via substância – nos joga num quadro bem pior:

http://www.psiqweb.med.br/forense/border.html

Não falo só de casos isolados estereotipados, mas sim de uma
patologia coletiva social. A saída psicótica para nossas neuroses é
incentivada, por exemplo, pelas atitudes bélicas delirantes e
paranóides de governos de países neuróticos; e, aqui no Brasil, pelo
incentivo da fuga pretensamente “espiritual” (em uma freqüência
improvável, ou seja, em nosso país, ser border-line tem incentivo
social, com as neuroses cotidianas sendo tratadas na base
de “transes” mais anímicos do que espirituais).

Além disso, temos, dependendo do critério, uma população de cerca de 20% de depressivos ainda que eventuais (várias razões), mais uns 10% de bipolares oscilando entre expectativas sociais e suas frustrações.

Pois bem.

Neste cenário, temos hoje uma incidência cada vez maior de portadores de TDAH / DDA (déficit de atenção), inclusive em crianças. Acontece que este transtorno híper-ativo tem como caracteristica uma baixa produção de dopamina, o que os leva a buscar atividades procurando compensar:

http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=3902&op=all

Por outro lado, substâncias psico-ativas DOPANTES, como o TDH do daime, atuam justamente inibindo a recaptura da MAO, que
metabolizaria a dopamina, seratonina, etc:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Antidepressor_inibidor_da_MAO

Ou seja, a dopamina começa a se acumular, e com elas podem vir as
alucinações “espirituais”. Se a serotonina aumenta, também, há o
efeito do anti-depressivo, e a pessoa atinge “a felicidade”.
Quimicamente. Naturais ou não, estas ervas, literalmente, “dopam” o usuário, pelo mesmo princípio que age TANTO em um esquizofrênico quanto em um drogado clássico de substancias ilegais: dopamina e alucinações.

http://www.idecefyn.com.ar/mmcv01/01.pdf

A partir destas alucinações, tanto os doentes quanto os drogados ou
mesmo os religiosos dos “enteógenos” garantem que suas experiências passam a ser “espirituais”. Pode ser, nos três casos, mas ironicamente o mais natural de todos ainda é o equizofrênico, que fabrica a dopamina por si só. E nos três, os “espíritos” só vem após a atuação dos neurotransmissores. Dá o que pensar.

Unindo tudo, agora:

Ocorre que, pelo explicado antes, o tratamento para o TDAH / DDA
passa por derivados mais modernos de anfetaminas, eurologicamente seletivos

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ritalina

Esta indução de dopamina deve ser, é claro, indicada por um médico consciente, em dosagem e substâncias adequadas, e não por pseudo-xamãs ou amigos de rave.

Mas falamos de uma sociedade com traços coletivos TDAH + bipolar +border-line, e não mais de um indivíduo:

1. A questão é que uma sociedade TDAH / DDA como estamos formando, vai tender a ter uma grande simpatia por experiências “espirituais” que as encham de dopamina, oras… Afinal, é em busca do prazer perdido pela baixa produção DESSE neurotransmissor que as pessoas hiper-ativas ficam hiper-ativas.

2. Além disso, somos uma sociedade bipolar também: oscilamos entre extremos, e adoramos ir da mania à depressão, e vice-versa. Para sair da mediocridade da vida, nada melhor para um bipolar do que uma grande EUFORIA provocada. Aderimos fácil aos extremos, buscamos situações e pessoas complementares, defendemos novidades esquecidas amanhã, e a melhor pessoa do mundo que amamos ontem vira o capeta amanhã. Cada euforia exagerada e fora da realidade, seja induzida por substância, palestra motivacional, romance exagerado ou exibição do The Secret, gera uma bad-trip depois, uma queda AQUÉM do nível de
normalidade anterior, que levará o sujeito a procurar mais e mais
daquilo que o estimulou. Está feita a receita para o bipolar.

3. Para piorar, aqui no Brasil temos um grande pé no comportamento border-line – devido a exageros na questão espiritual desde sempre, e à sua mercantilização popularesca mais recente. Esta oscilação border-line encontra eco no resto do mundo, devido ao extremismo, ao CULTO à personalidade forte, ao “ser popular”, ao “ter atitude”, em combinação com uma desvalorização do bom senso. Então, nada melhorpara estes “sairem” da neurose cotidiana do que um pouco de surtopsicótico induzido.

Notem que em nosso país, o estado de transe não é questionado – ao
contrário, é até valorizado, e confundido com “sabedoria espiritual”
e “evolução”. Talvez por isso tenhamos, justamente aqui,
tantos “médiuns” e tão poucos “sábios” – enquanto no resto do mundo, em geral a espiritualidade sadia esteja mais associada à sabedoria do que ao fenômeno ou incorporação.

Quando o transe passa, voltam para a neurose, até que esta fique tão
forte a ponto de voltarem ao transe outra vez. Há cursos e credos que incentivam o mecanismo, onde um psicótico “incorporado” atende a neurótica que quer um despacho pra prender o marido, por exemplo; e encontra ali um convite para se desenvolver “mediunicamente”, onde amanhã poderá ser a “médium” que atenderá outro neurótico visando favorecimento material…

Não vejo tanta diferença psíquica do mecanismo social que leva tantos outros border-line e bipolares a procurarem um chá alucinógeno facilitador.

> Patrícia Montini: A quem isso interessa e quais são os ganhos reais?
> Porque tantos espiritualistas embarcando em viagens de “autoconhecimento”?

Talvez o questionamento devesse ser o contrário, para não pouparmos casos patológicos que buscam se abrigar no rótulo intocável da espiritualidade – que não tem culpa dos excessos cometidos em seu nome.

Pergunto, na contra-mão:

Porque tantos border-lines se dizem espiritualistas?
Porque ninguém neste país tem alucinações, excessos, fugas ou trips; apenas “despertares espirituais”?

Porque TODO esquizofrênico aqui é médium, e NENHUM médium aqui é esquizofrênico?
Porque a sociedade que mais incentiva a alucinação é a mesma que mais condena o uso de medicamentos?

E, por f
im:

Porque a nossa sociedade sabidamente neurótica, historicamente
mais “mediúnica” do que “espiritualista”, no momento exato em que
passou a herdar também comportamentos globais extremistas border-line (que varia da psicose para a neurose), passou também a popularizar e incentivar certos estados psicóticos, ainda que induzidos por substância, como sendo as “verdadeiras” manifestações espirituais?

Registre-se que sou espiritualista, particularmente acredito na
possibilidade de fenômenos e transcendência. Entretanto, a
experiência de todos que pesquisam a questão a fundo, documentam e demonstram que apenas 1 a 2% das pessoas tenham verdadeiramente fenomênos transcendentes – e provavelmente, não o tempo todo.
Ou talvez apenas 1 a 2% dos fenômenos alegados sejam realmente
transpessoais.

Seria coerente com o resto do mundo, onde alguns sábios, monges e
estudiosos dedicam-se seriamente a canalizar a verdade e traduzí-la
para os outros da sociedade, importantes em OUTRAS funções; os quais preocupam-se mais em seguir os (bons) ensinamentos do que se julgar isento de coerência ou aplicação por ter “desenvolvido”
sua “espiritualidade” (sic) ao entrar num estado de transe, via
substância ingerida ou auto-hipnose-pseudo-mediúnica.

E há quem ache esses 1 a 2%, números de Ken Wilber, um tanto quanto otimistas.

Curioso como isso tudo – apesar de ter embasamento, e considerar sim a possibilidade espiritual – revolta tantos “médiuns”
e “espiritualistas”. Então me parece que eles estão mais interessados
em fazer parte de um clube egóico-espiritual, confundindo
desenvolvimento parapsíquico com desenvolvimento espiritual, do que em aplicar sabedorias oriundas dos tais 1 ou 2% de transcendência real. Quando a verdade é “a dele”, seu trabalho passa a ser o de espalhá-la, não de praticá-la. Além do que, é bem melhor
ser “especial”.

Alguns vivem, é claro, fenômenos verdadeiros. Não estou propondo a elitização da espiritualidade; embora, como em qualquer outro campo, as pessoas mais confiáveis deveriam ser as que se dedicam mais a ela do que a outras atividades.

A questão é que se fabricam isso com estados forçados de transe, ou
com ingestão de substância, compensando assim uma vida neurótica, e escapando dela pela via psicótica… Então o FATO é que caimos na via patológica border-line… outra vez!

E isso não tem nada a ver com acreditar ou não em VERDADEIROS fenômenos espirituais, que não precisam necessariamente ser (pseudo) xamânicos ou (pseudo) mediúnicos em outras tradições – que em geral reservam esses fenômenos e substâncias para exceções, e ainda assim por quem passou por um amplo preparo.

> Patrícia Montini: Aonde está o self nisso tudo?

Não estamos falando do Self junguiano, por uma simples razão:

Experiências induzidas via substância são desagregadoras,
facilitadoras de estados esquizofrênicos (mente cindida), e não
organizadoras de conteúdos, como as experiências do Self.

Podem levar a pessoa à “vivência” de seus símbolos, talvez
prematuramente, com riscos de traumas e gatilhos de estados
psicóticos permanentes. É o contrário da busca do si mesmo com
consciência; é antes um convite ao mergulho direto na inconsciência.

Na experiência transpessoal, as novas esferas são incorporadas, em
equilíbrio, às esferas anteriores. O centro da personalidade vai
sendo EXTENDIDO do ego para o self, e a consciência é incentivada, é fator agregador do que vem do insconsciente. Exatamente o oposto de considerar a vivência simbólica externa como substituto do “real”.

Em uma palavra: Experiências induzidas via substância são, via de
regra, “PRÉ-pessoais”.

Lázaro Freire
http://www.voadores.com.br/lazaro
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