Encontro de Almas…

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Encontro de Almas

Ele era grego..ela italiana (do brás)…
Ele nasceu na Grécia, em 1945.. ela em São Paulo, 1953
Ele veio para o Brasil em 1953..quando ela veio também…
Nada parecia contribuir para aquele re-encontro.
Os pais dele levaram-no pra Curitiba, onde ele cresceu, aprendeu a falar português, a amar o Paraná e até adquirir um pouco do sotaque sulista, enquanto ela viveu na zona leste de São Paulo.
Um dia, o grego resolveu ser médico e a italiana também.
Ele,acabou vindo estudar em São Paulo, na Santa Casa.
Ela,entrou também na Santa Casa, mas preferiu cursar a escola púbica, UNIFESP.
Neste momento, seus caminhos estiveram próximos.
Eram 8 anos de diferença, talvez não tivessem se cruzado na faculdade.
Ele optou pela mesma especialidade que ela escolheria anos depois, mas ainda não era a hora..
Ele se casou com uma namorada de Curitiba e ela com um colega mais velho da própria Faculdade.
E a vida continuou…
Ela sem sucesso no casamento, ele, pensando que uma ou outra traição não faria mal, desde que criasse bem seus filhos e continuasse aquele marido exemplar.

Em 1987 se re-encontraram, em um congresso médico em Curitiba. Este fato e data só ficaram na memória do grego, pois para a italiana os vários outros congressos em que se re-encontraram sem seus pares foram mais marcantes.
Havia nele um quê , não sei bem o que, que a encantava…
Dizia ele que era a “italianisse”… que pra ele era a mesma coisa que “greguisse”…
O falar alto gesticulando, o olhar sincero e franco, a absoluta espontaneidade em tudo…aliás até demais…
O sangue quente, pronto pra briga e pra defender
seus ideais… nisto eram tão parecidos que seriam gêmeos, se isto realmente fosse uma característica de irmãos gêmeos, as vezes tão diferentes entre si..
Ela se separou em 1991 e logo depois não viu mais o grego, pois não conseguia mais verba pra freqüentar tantos congressos como outrora, e aquele amigo, que tanto admirava, ficou na memória.

Em 1997 , alguns colegas de especialidade abriram um site de discussão na internet, e logo os dois se reaproximaram como imãs.
Foi aquela atração de almas, sempre compartilhavam as mesmas idéias e ideais, pelos quais batalhavam dia e noite escrevendo páginas e páginas no site. Discutiam e questionavam tudo. A postura de alguns médicos, a incompetência de outros, a situação grave da saúde médica no Brasil e o que fazer com os convênios. E vários outros assuntos sempre polêmicos, porque tanto o grego quanto a italiana, tinham uma visão única e diferente. Queriam uma medicina melhor pra todos. Queriam uma sociedade mais justa, queriam que os convênios médicos não abusassem tanto dos médicos e fizessem mais pelos doentes… queriam…
Dois perfeccionistas, diziam os colegas…Dois malucos, diziam outros… Não estavam sozinhos. Haviam colegas que os admiravam pela coragem de expor suas idéias em site público,e outros que os defendiam…
Muitos se juntaram a eles nos ideais…

Em 2000 o grego pediu pra italiana que conversasse com ele online…
Ela não reconheceu a foto…deletou…
Ele não reconheceu o apelido…deletou…
Continuaram só nos e-mails…

Em 2002, a italiana cansou das discussões online…
Parecia que nada funcionava, que ela, o grego e os poucos que concordavam com eles eram a minoria. Uma minoria fraca contra os todos poderosos donos de nomes e de dinheiro e de posições privilegiadas. Nada poderia mudar a situação, disse ela para o grego, e ela precisava de energia pra mudar sua própria situação familiar e acabar com mais um casamento.

Ela se afastou do site…ele continuou…
Ela sempre lia tudo que o grego escrevia, às vezes respondia e elogiava, outras, só admirava de longe, pensando que era muito bom saber que, em algum lugar de São Paulo, outra alma pensava e sentia como ela.. Era bom saber..

Em 2006, 18 de maio, afinal, depois de mais 10 anos , se re-encontraram pessoalmente em um congresso.
Estranho ver uma pessoa com quem se conversa muito e pouco se vê. Coisas da vida moderna, coisas da internet.
A primeira coisa que ele perguntou foi se ela havia assistido ao filme “O casamento grego”.

Ela respondeu que era o retrato da sua própria família.
-É tudo a mesma coisa, disse ele.
Olhos nos olhos, viram-se e se enxergaram através do corpo.
Suas almas se reconheceram. Naquele instante. Depois de tanto tempo. Anos afastados. Anos e anos conversando pelo computador.

Algo mudou. Não poderia ser amor a primeira vista, depois de 20 anos! Mas era amor, com certeza era.
Ela saiu do congresso tonta, sem entender, culpando a carência de amor na sua vida. Claro, se estivesse namorando não teria sentido o que sentiu naquela tarde.

Ele, intrigado, pelo fato de não ter percebido o quanto ela era atraente e o quanto queria ter saído da sala de aula com ela, pra qualquer lugar… qualquer canto… Todo lugar estaria perfeito se fosse com ela.

Nada falaram. Corações batendo forte, mãos trêmulas, deixaram a conversa séria para o dia seguinte.
Confessaram que queria se ver e se tocar e se beijar e talvez…bem queriam estar perto, falar de amor…

Tudo no teclado, sem palavras faladas, só escritas…
As 23:30 ele propôs que saíssem…
Isto era hora??? De que jeito? Os dois trabalhariam no sábado…
Vamos deixar pra outro dia…
Era tão bom vê-lo ali, que a italiana pensou que não tinha pressa.
Que teriam todo o tempo que quisessem.
E eles sempre repetiam:
-Teremos tempo… muito tempo…
Chegou setembro.
Mas que grego enrolado, pensou ela, deve estar casado ainda e não me confessa.
Sim, ele dizia que estava sempre sozinho…
Marcaram afinal um encontro no parque Burle Marx.
Ela chegou cedo.. e ele não foi.

Deixou o celular desligado, pra que ela não cobrasse.
Não conseguiu confessar que era casado. Não conseguiu.
Disse depois que não queria perdê-la, mas ela, com o sangue quente, deletou.

Deletou o nome dele da lista de e-mails, a foto dele da lista do messenger, deletou o grego da sua vida.

Bem, isto foi o que ela quis fazer.Não conseguiu.

Comparava-o com todos os homens que conhecia. Todos.
Todos pareciam menos. Menos cultos, menos bonitos, menos conservados. Menos atraentes. Menos interessantes.
Muito menos, todos.

Em dezembro, o grego passou o mês querendo falar com ela.
Ela fingia não ler os e-mails, não respondia.

Até que o espírito natalino tocou o coração da italiana que resolveu dar uma chance ao grego. Ele ligou para ela afinal e se encontraram. Era 22 de dezembro.

Falaram de tudo, dos filhos, da neta, do consultório, da profissão, da vida, do que gostavam de comer, enfim falaram, se olharam, curtiram aquelas horas e novamente se despediram sem falar de amor. Era tão intenso, que ninguém queria arriscar. Ela, medo de ouvi-lo confessar que nunca largaria a família. Ele, medo de ouvi-la dizer que jamais seria sua amante.
Mesmo assim fizeram planos.

Tomariam muitos outros sorvetes e cafés juntos.
Com certeza, muitos fins de tarde.
Muitas pizzas.
Ele queria levá-la a comer uma pizza na zona norte.
Zona Norte! Não podia ser mais perto??
Para que??
-Quando estivermos juntos não teremos pressa de ir a lugar algum teremos??
– Não, não teremos.
Ele pediu desculpas pelo encontro que não foi.
Ela pediu descu
lpas por não ter entendido de outra forma.
Afinal, uma amizade de 20 anos não se joga fora assim, sem motivo.

Veio o ano novo, sem pizzas e sem café.
Ela com medo de procurá-lo e ele com medo de se envolver demais. Afinal, aquela italiana mexia demais com ele, não seria uma caso qualquer.
Afinal, como ser amante de alguém tão especial?-pensava ela??
Seria sofrer demais. Melhor continuar só amigos.

Em abril, voltaram a polemizar no site de discussão da especialidade.
Um foi atacado e outro defendeu…
Voltaram aos bons tempos de internet…e ao namoro online
Ele queria tê-la, não sabia como.
Ela queria negar, não conseguiria, caso ele se decidisse de vez.

Combinaram e desmarcaram e voltaram a combinar.
Confessou que havia acordado com imensa saudade dela.
-Como sentir saudades de algo que não se teve?
-questionou
Por duas vezes pegou o carro e passou na porta da casa dela.
-Venha tomar um café! -sugeriu ela
-Com certeza! Domingo que vem!
-Não prometa! –
-Sim, melhor não! Deixa acontecer.

Não aconteceu! Na sexta feira, ele morreu.
A uma quadra da casa dele.
Vindo do parque.
Assim, de repente!
Um farol vermelho.
Ela soube, o corpo ainda estava na calçada!
Tiveram que acudi-la pra que não desmaiasse.
A dor era tanta que ela pensou que morreria.
Depois da dor intensa, as coisas se esclareceram.
Ela viu…

Viu uma guerra, dois amigos, dois homens em batalha.
Ela e o grego, na mesma batalha! Dois homens!

Mataram uma família, inocentes! Foi sem querer, ela não se sentiu culpada. Mas ele, guardou no seu espírito uma culpa terrível, que só conseguiria expiar daquela forma trágica.

Deus não castiga, você escolhe. Ele escolheu.
Ele estava dormindo, já do outro lado, e pensou que fosse um sonho. Viu a guerra, viu o acidente. Ficou aliviado.
Ela também.

Precisava se despedir. Escreveu uma carta.
Foi ao parque. Intuição de véspera que ele estaria lá.
Leu pra ele. Deixou a carta. Fechou os olhos e ele sorriu!
Estava lá! Seu querido grego lá estava.
Doía muito. Despedidas sempre são dolorosas.
Abriu os olhos e o viu se afastar.

Foi à missa grega. Nono dia.
Linda cerimônia.

A vida iria continuar…mais 30 anos pensou ela.
Ele havia dito que ela iria viver muito.
Tinha razão. Ela ainda tinha que viver muito.
Como era bom viver, sabendo que almas queridas te esperam…
Ela precisava estar perto…mas só pra que ele lembrasse e entendesse.
Encontro de almas.
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Autora: Edna Sbrissa – São Paulo-SP – Brasil
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