Ela quer decidir quando vai morrer
Portadora de esclerose múltipla há 15 anos, Debbie Purdy, 46, levou a Justiça britânica a emitir novas diretrizes sobre suicídio assistido
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
A morte é o desfecho que Debbie Purdy e Omar Puente escolheram para seu romance. Na semana passada, eles ganharam uma inédita salvaguarda da Justiça britânica. E festejaram um final feliz para uma história que começou há 15 anos -dois meses antes de ela descobrir que era portadora de esclerose múltipla.
Por causa de Purdy, a Procuradoria da Coroa Britânica emitiu diretrizes para o suicídio assistido, prática que continua sendo proibida na Inglaterra e no País de Gales (a Escócia tem sistema distinto), mas que agora poderá ser tolerada em determinadas situações.
A decisão foi considerada um avanço crucial por organizações que defendem a causa, e os grupos contrários -após longa campanha para barrar o pedido da relações-públicas de 46 anos pelas diretrizes- limitaram-se a dizer que não se trata de legalizar a eutanásia.
Para Purdy e Puente, no entanto, o comunicado da Procuradoria foi uma libertação. “Agora que tenho clareza sobre isso, nós podemos pensar em outras coisas. Não precisamos mais pensar em morte. Podemos pensar em viver”, disse ela à Folha, por telefone, de Bradford.
Como ela, vários outros britânicos brigam pelo direito de escolher quando morrer. Como sabem que serão fisicamente incapazes de levar o suicídio a cabo, precisam da ajuda de alguém sob pena de uma tentativa frustrada ter resultados ainda mais degradantes.
Só no site da Dignity in Dying (dignidade ao morrer), uma ONG que faz lobby pela legalização do suicídio assistido e dá aconselhamento jurídico, médico e psicológico a quem quer morrer antes de definhar, há 35 histórias como a de Purdy. Hoje, 117 pessoas no Reino Unido respondem a processos por terem ajudado alguém a morrer, ainda que pela vontade da “vítima”. A pena prevista é de 14 anos de prisão.
Compaixão
Entre as principais condições citadas como “improváveis de resultarem em processo”, está ajudar um ente querido “com doença terminal, problema físico grave ou incurável ou uma condição degenerativa irreversível” a se matar.
Outra é que a pessoa que auxilie no suicídio seja um “cônjuge, parceiro, parente ou amigo próximo” e que esteja “movida pela compaixão”. O suicida deve ser maior de idade e ter manifestado em lucidez o desejo de se matar quando sua situação se debilitasse demais.
Entre as circunstâncias que a Procuradoria diz que provavelmente resultarão em condenação estão prestar assistência a uma pessoa menor de 18 anos ou que não tenha manifestado vontade clara de morrer, ou lucrar com o suposto suicídio.
Mas a decisão, afirmou em comunicado o diretor da Procuradoria, Keir Starmer, será tomada caso a caso. “Avaliar o interesse público não é uma questão de somar fatores de um lado e fatores de outro e ver qual lado pesa mais na balança.” E completou: “Essa política, de forma nenhuma, permite a eutanásia. Tirar a vida de outra pessoa é um crime grave”.
Mas, para Sarah Wootton, diretora da Dignity in Dying, mesmo sem mudar a lei as diretrizes são “um avanço” ao esclarecer como ela pode ser interpretada. “Elas fazem distinção entre quem age por compaixão e quem tem intenção maliciosa”, disse à Folha.
Hoje, é comum que ingleses que desejam se suicidar viajem à Suíça em busca de serviços de assistência -a prática é legal no país, assim como na Holanda, na Bélgica e em alguns Estados americanos. Mas, quando a pessoa que ajuda um paciente retorna, é processada.
Wootton acha que a lei ainda precisa mudar para que as pessoas sintam-se menos pressionadas e possam tomar sua decisão de forma mais pensada. Outro ponto importante, diz, é que o paciente não precise deixar o país nem tente se matar sozinho, arriscando-se. “É difícil cometer suicídio, nem sempre funciona.”
Ela cita como modelo ideal a lei de Oregon (EUA), onde é necessário vontade manifesta, diferentes pareceres médicos e receita para obter a droga necessária ao processo.
Mas o tabu em relação ao suicídio assistido no Reino Unido é proeminente. Em junho, líderes religiosos publicaram uma carta dizendo que as diretrizes poderiam pôr em risco “pessoas vulneráveis, sobretudo aquelas ansiosas quanto ao fardo que sua doença pode se tornar para os demais” e que essa questão não deveria ser mudada sem debate.
A Procuradoria abriu as diretrizes a três meses de discussão pública. Uma política oficial definitiva será publicada no segundo trimestre de 2010.
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd0410200901.htm
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Publicado em: SinapsesLinks
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