Ver o céu é ver o passado
Onde podemos chegar observando a luz que viajou bilhões de anos até nós?
Dizer que olhar para o céu noturno é vislumbrar tudo o que existe é o mesmo que dizer que olhando para o mar vemos o que se passa embaixo d’água. Da nossa perspectiva limitada, no canto de uma galáxia que, por si só, abriga uns 300 bilhões de estrelas, o que vemos é muito pouco do que realmente está escondido na escuridão do céu noturno.
A olho nu, numa noite muito estrelada, vemos apenas alguns milhares de delas, nossas vizinhas, uma fração ínfima das que existem. Imagine mesmo que nem todos os planetas vemos a olho nu e muito menos suas luas; Urano só foi descoberto em 1781. Felizmente, o que não vemos com os olhos vemos com nosso instrumentos.
Hoje, temos muitas janelas para os céus, uma metáfora que usei há tempos nesta coluna.
É bom lembrar que o espectro eletromagnético, isto é, o conjunto das várias radiações emitidas por átomos e moléculas quando os seus elétrons pulam de órbita, é muito mais amplo do que os nossos olhos enxergam. Somos criaturas do Sol, evoluímos e nos adaptamos à vida sob a tutela energética da nossa estrela-mãe. Portanto, nossos olhos se desenvolveram para ver principalmente na radiação dominante que vem do Sol, a luz visível.
Mas essa é só uma parte da história; existem muitos outros tipos de radiação, invisíveis aos olhos, mas nem por isso menos reais. O leitor conhece várias: os raios X, a radiação infravermelha, a ultravioleta, as micro-ondas, as ondas de rádio. A astronomia moderna não se limita aos telescópios tradicionais, que coletam a luz visível emitida por objetos distantes. Quando, por exemplo, olhamos para o Sol com instrumentos adequados, podemos vê-lo irradiando todas essas outras ondas eletromagnéticas.
Com o Telescópio Espacial Hubble, junto aos seus primos presos nos topos de montanhas terrestres, astrônomos visualizaram galáxias em estado bem primitivo, ainda bebês, à distâncias maiores do que treze bilhões de anos-luz daqui, quase na fronteira do que é possível ver. Vale lembrar que, ao olharmos para o céu noturno, estamos olhando para o passado; quanto mais longe o objeto, mais tempo para a sua luz chegar até nós.
Portanto, quando dizemos que um objeto está a 13 bilhões de anos-luz de distância, isso significa que a luz que vemos hoje saiu dele há 13 bilhões de anos. Como comparação, a idade da Terra é de 4,6 bilhões de anos, e a do universo de 13,8 bilhões de anos. Esses números mostram que essas galáxias existiam muito antes do nosso Sol, quando o Universo era ainda um infante de 800 milhões de anos.
Até onde podemos chegar? Infelizmente, nossas observações através do espectro eletromagnético esbarram numa barreira intransponível quando o universo tinha apenas 400 mil anos. Antes disso, as interações entre a matéria e a radiação eletromagnética eram tão intensas que estas não podiam viajar livremente pelo espaço. Para vermos algo dessa época a radiação tem de viajar de lá até nós; portanto, não podemos captar qualquer radiação anterior à essa época; o universo, nos seus primeiros 400 mil anos, era opaco a qualquer tipo de radiação eletromagnética.
Existe um outro tipo de radiação que, em princípio, nos permitiria “ver” até o Big Bang, ou quase: a radiação gravitacional, ondas emitidas por massas em movimento irregular. Várias “antenas” vêm tentando captar as primeiras ondas gravitacionais, por exemplo, vindas de buracos negros ou de colisões estelares. No futuro próximo, duas missões espaciais estão planejadas para atingir grande precisão; talvez, com elas possamos captar alguma informação oriunda dos primeiros instantes após a origem do universo.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro “A Harmonia do Mundo”
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Original:
Jornal Folha de São Paulo
15NOV2009Mais!9
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1511200905.htm
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Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
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