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Apologia da norma culta
ALDO PEREIRA
Por que a norma culta inspira tanta controvérsia episódica e veemente?
A principal das razões pode ser a conotação de elitismo tingido de racismo
Muitos fatores concorreram, desde o descobrimento, para fragmentar a língua portuguesa de Caminha em dialetos brasileiros: extensão territorial, precariedade de comunicações, nível rudimentar da educação dos colonos, diversidade tribal afro-indígena.
Mas a literatura e a mídia atestam que sobrepaira na diversidade atual um dialeto minoritário associado a prestígio e poder.
Toda língua evolui, claro.
Preferivelmente, contudo, em processo similar ao de leis e costumes, conducente à assimilação gradual das mudanças. Estabilidade de padrões é indispensável à organização social, a ponto de justificar coerção do Estado; pense na moeda e no sistema métrico.
A norma culta (hoje menos referida por esse nome), tem provido a língua de um referencial resguardado contra variações que, se prematuras e indiscriminadas, poderiam comprometer a eficiência da comunicação.
A norma culta tem favorecido também a comunicação inteligente na atividade intelectual, na política e no ordenamento jurídico: nenhum sistema legal poderia operar com eficiência, em país algum, sem rigor gramatical e semântico, tanto na prescrição das leis quanto na jurisprudência.
Diante dessas evidências, por que a norma culta inspira tanta controvérsia episódica e veemente?
A principal das várias razões pode ser sua conotação de elitismo tingido de racismo, a tácita e presunçosa inferência de que falar e escrever “bem” (em geral, extensão de outros privilégios no acesso ao saber) legitima a hegemonia duma classe.
Outra razão pode estar no desconhecimento de como variantes dialetais fragmentam as línguas.
Quantos percebem, por exemplo, que a língua aprendida na infância é sempre um dialeto? Ou que a escrita é um dialeto da fala?
Quer se destine à leitura em voz alta (rádio, TV, artes cênicas, discursos, palestras), quer à leitura silenciosa processada no ritmo e grau de concentração do leitor, a escrita se caracteriza por atributos próprios e cumpre papel distinto do imediatismo da fala.
Por isso, caluniar a necessária identidade dialetal da norma culta para impugnar o padrão homogêneo de comunicação é o avesso do preconceito. Traz, entre outros contraproducentes efeitos, o de entorpecer a aquisição do conhecimento necessário à proficiência em outras disciplinas.
Terceira razão da crítica às vezes abusada que a norma culta inspira talvez advenha do nome antipático. Experimente substituí-lo, digamos, por português acadêmico (no sentido de “aprendido na escola”), e ensiná-lo como segunda língua (em relação ao dialeto trazido de casa), com precauções como evitar correções em classe, para não humilhar o aluno principiante perante seus pares; melhor limitá-las à vistoria dos cadernos.
O ensino desse português acadêmico pressuporia rigor na escrita, limitada tolerância gramatical e vocabular na fala, mas liberdade ilimitada na prosódia: afinal, por que desbotar o colorido de pronúncia e entonação dos falares regionais do Brasil?
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ALDO PEREIRA é ex-editorialista e colaborador especial da Folha.
E-mail: aldopereira.argumento@uol.com.br.
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2511201008.htm
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Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
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Acervo do Leal:
C:#1_Leal1_WPD201020101125WPD_Norma culta.WPD
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