Código de Conduta Digital

*

*
*

A internet como força mítica

Mitos unem povos, como faziam poemas homéricos, e hoje as redes sociais têm como marca a força mítica

O MUNDO, e em particular o Oriente Médio e o norte da África, está em polvorosa. Na Tunísia, no Egito e, agora, na Líbia, uma enorme mobilização social está levando a mudanças políticas dramáticas.

Cientistas políticos de naipes diversos preveem que essas ações marcam o começo de uma profunda transformação mundial, não apenas localizada no sul e leste do Mediterrâneo: uma democratização global, uma nova ordem, talvez semelhante em parte às revoluções que varreram a Europa em 1848.

A mobilização parte, principalmente, de jovens que vivem nas autocracias seculares de países muçulmanos -desempregados apesar de um bom nível educacional, desesperançados- que decidiram, corajosamente, redefinir seu destino com suas próprias mãos.

É bem verdade que o desfecho das manifestações nesses países, e possivelmente em outros (como Bahrein e Iêmen), permanece incerto. Por outro lado, o desejo de derrubar tiranos que estão no poder por décadas em regimes brutais está crescendo irreversivelmente e não será abafado pela violência.

Uma mobilização transnacional dessa grandeza seria inimaginável dez, ou mesmo cinco, anos atrás. Por trás das manifestações, unindo os descontentes, está a internet, em particular os programas de interação social Facebook e Twitter.

Jovens do mundo inteiro, de Bali à Rússia, do Quênia à Jordânia, trocam informações e criam alianças usando meios totalmente novos.

Uma mensagem de texto tem precedência sobre um telefonema; uma mensagem no Twitter resume uma atividade ou um grito de ação comunitária; uma página no Facebook define valores sociais, laços familiares, grupos religiosos, esportivos, políticos, unindo pessoas, ganhando uma estatura mítica.

Penso na Grécia Antiga e no poder mítico da poesia de Homero, autor dos poemas épicos “A Odisseia” e “A Ilíada”, obras que definiam, em grande parte, o que significava ser grego em torno do século 7º a. C., quando a “Grécia” se espalhava em forma de ferradura desde o sul da Itália até o norte da África.

A poesia de Homero distinguia os valores de um povo, criando um senso de identidade. “Sou grego, pois Homero é meu bardo.” Mitos unem povos, e os programas de interação social têm hoje uma força mítica.

Ser jovem é saber como participar no Twitter e no Facebook, é entender o novo código de conduta digital e segui-lo. Quando surgiu o rádio e, depois, a TV, muita gente achou que seria o fim da civilização. O mesmo com a internet e suas mídias sociais.

Na rede, a liberdade pode ser virtual, mas tem gosto de real. E aqueles que sentem o seu gosto, que veem a importância de pensar criticamente sobre a sociedade e a possibilidade de manifestar posições contrárias ao regime sem ser morto ou preso não querem ter as asas cortadas.

Ninguém poderia ter previsto que a invenção do Eniac, o primeiro computador eletrônico, de 1946, levaria ao PC, à internet, ao Facebook. Uma vez que uma ideia toma corpo, ela se espalha de formas imprevisíveis, redefinindo o possível.

Que a luta desses milhões de pessoas leve a resultados concretos e duradouros. Também querem contribuir na criação da nova ordem mundial. E têm todo o direito de buscar esse objetivo.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro “Criação Imperfeita”
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0603201104.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.wordpress.com/
*

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *