*
Música “Seus Efeitos Sobre o Homem (Parte I)”
(H. Lloyd Leno recebeu o grau de doutor em Arte Musical na Universidade do Arizona, Estados Unidos)
Efeitos Físicos
A questão se a música pode afetar as emoções, as atitudes e o comportamento, é obviamente o ponto de debate. Alguns rejeitam tal idéia, por que admitem que as pessoas variam em sua maneira de reagir à música. Insistem em que determinada seleção ou tipo de música que evoque certa reação em algumas pessoas, “não me afeta de forma alguma”. Concluem, pois, que a reação à música só é previsível se a reação for aprendida ou condicionada. Outros crêem que, em questões pertinentes à estética, a moral não está envolvida; a música é amoral.
Embora o assunto dos efeitos da música sobre o indivíduo tenha intrigado os homens desde a antiguidade, pouquíssíma investigação científica teve lugar nesse campo, até à última parte do século dezenove. O primeiro impulso maior ocorreu após a I Grande Guerra Mundial, quando muitos estudiosos do comportamento, nos Estados Unidos, se preocuparam com a possibilidade de influenciar o comportamento humano por meio do uso terapêutico da música.
A Percepção da Música
Provavelmente, o mais importante progresso na investigação científica da música foi a descoberta de que a música é percebida através daquela parte do cérebro que recebe o estímulo das emoções, sensações e sentimentos, sem ser primeiro submetida aos centros do cérebro que envolvem a razão e a inteligência. O significado deste fato com relação à terapêutica musical, é exposto por Schullian e Schoen:
A música, que não depende do cérebro superior para penetrar no organismo, pode estimular através do tálamo – a estação de todas as emoções, sensações e sentimentos. Uma vez que o estímulo seja capaz de atingir o tálamo, o cérebro superior é automaticamente invadido, e se o estímulo continuar por algum tempo, um mais estreito contato entre o cérebro superior e o mundo ou realidade pode ser assim estabelecido.[1]
Este mecanismo possibilita atingir mentalmente os pacientes enfermos, com os quais não se pode entrar em contato.
Música, Estado de Espírito e Química do Corpo
Schoen, numa investigação de âmbito nacional, descobriu que a música provoca um estado de ânimo acentuadamente uniforme na grande maioria dos ouvintes.[2]
Conforme Podolsky, a influência da música tem sido demonstrada experimentalmente. Ele afirma que a pesquisa demonstra “que o estímulo musical em determinadas condições bem conhecidas determina reações funcionais transitórias no organismo o que caracteriza a emoção.[3] Ele nos lembra que o estado de alma tem uma base biológica. Isto não depende apenas da atividade do cérebro e da circulação do sangue, mas também na química do corpo. Experiências demonstram que a música exerce efeito direto sobre a pulsação e a pressão sangüínea que sobem ou caem de acordo com o ritmo. Ela também afeta as glândulas de secreção interna e, por conseguinte, as emoções.
Charles-Hughes, colaborador no livro “Música e Medicina “, admite uma direta relação da reação emocional do ouvinte para com a música, e salienta que “essa reação é acompanhada pelas mesmas mudanças fisiológicas que acompanham os estados emotivos, como estes ocorrem nas” situações da vida “. Além disto, ele explica:
Tal efeito é uma reação ao efeito total e complexo da música. Além do mais o exame de composições musicais empregadas para testar os efeitos emocionais da música, indicaria que o ritmo é o fator primacial ao se determinar a espécie de efeito produzido. Não é somente a presença ou ausência de uma forma rítmica acentuada que está envolvida aqui, mas também o grau de movimento, seja ele rápido, moderado ou lento.[4]
Cannon, eminente fisiologista de Harvard, defendeu a tese de que a música “libera a adrenalina e, talvez, outros hormônios”.[5]
A influência da música sobre a condutibilidade elétrica do corpo é referida por Soibelman.[6] Dado o papel do potencial elétrico e do equilíbrio eletrolítico no sistema nervoso humano, podemos obter uma compreensão adicional do uso da música no estímulo do estado de ânimo e nas mudanças deste.
Harrer e Harrer demonstraram que de todos os sentidos, o da audição exerce maior efeito sobre o sistema nervoso autônomo do que os outros. Em suas experiências, todos os que a elas se submeteram demonstraram significativas mudanças na pulsação e no ritmo da respiração, assim como um reflexo psicogalvânico na pele.[7]
Numa experiência, a atenção de um indivíduo foi desviada da música mediante um desconforto físico de tal sorte que ele não se apercebeu de que determinada música havia sido tocada. Não obstante, uma forte reação emocional foi registrada nos aparelhos de teste. Entretanto, quando lhe foi solicitado que ouvisse analiticamente a música, sua reação emocional diminuiu significativamente. Muito embora se tenha concluído que a reação depende, de certo modo, das atitudes e presença de espírito, descobriu-se que, quando determinada escolha de música foi associada previamente com fortes experiências emocionais pelo ouvinte, sua reação emocional a essa música foi intensa.
Gilman e Paperte demonstraram que a música pode baixar O limite da percepção sensorial. Descobriram que a música e os sons rítmicos podem aumentar a visão dos ouvintes até 25%. Ainda que pequenos como o tique-taque de um relógio, as experiências demonstraram que eles serviram para estimular a visão.[8]
Uma investigação feita por Urbantschitsch, no início de 1887, provou que o limite de percepção da cor abaixa mediante o estímulo tonal.
Música e Reação Sensorial-Motora
A música, em todos os tempos, foi reconhecida como um agente unificador e estimulador durante a atividade física. Verificou-se experimentalmente que a música diminui ou aumenta a energia muscular. Isto certamente justifica o uso da música em conexão com trabalho que requer movimentos sincronizados.
Trabalhadores em muitas culturas cantavam não somente como meio de aliviar a monotonia de seu labor, mas também por causa do efeito unificador exercido sobre eles. Hughes, reconhecendo que a música vigorosa aumenta o grau de pulsação e de respiração, afirma:
Ocorre, algumas vezes, que os jovens se esforçam mais – e por um período mais longo – na dança do que nas ocupações mais proveitosas e menos rítmicas. De modo semelhante, tem-se observado que uma banda em marcha faz com que os soldados se esqueçam de sua fadiga, pelo menos por algum tempo, permitindo-lhes marchar com renovado vigor.[10]
Entretanto, Soibelman descobriu que, embora seja a música rítmica um auxilio na atividade, como escrever à maquina, “a música não exerce efeito positivo quanto à precisão ou exatidão do movimento, se o ritmo não for adaptado ao ritmo do trabalho. Ela reduziu a exatidão ao se escrever à máquina e a mão, sendo isto demonstrado no aumento do número de erros”.[11]
Há pouca dúvida de que a música rítmica exerça forte apelo sobre praticamente todo ser humano. Van de Wall resume isso: “Muito do que denominamos de irresistível na música, deve-se a nossa reação a este nível sensorial motor de atuação”.[12]
Em face da relação do ritmo musical com O ritmo do corpo, não é difícil compreender por que O ritmo passa facilmente de uma para outra cultura. Em todas as civilizações primitivas, esteve evidente a atividade rítmica. Em muitas delas uma monótona seqüência rítmica repetitiva foi empregada nas danças, com o propósito de afetar o bem-estar ou o comportamento do indivíduo ou do grupo. O transe estático, foi o elemento essencial na dança cerimonial, secular ou religiosa, dos antepassados dos negros americanos. Stearns segue os vestígios da música dos adoradores conhecidos por vodun (ou voodoo) de Dahomeans, da África Ocidental para Nova Orleans, onde ela permanece como uma “reserva do ritmo em nossa cultura”.[13] Os índios Chippewa da América do Norte usavam música na qual havia elementos de êxtase e hipnotismo. Gaston declara:
Um frenesi igual à dança dionisíaca grega reapareceu repetidamente entre os aborígenes da América do Norte. Na Dança do Espírito, por volta do ano 1870, os índios dançavam monotonamente numa formação em círculo até que, um após outro, todos caíssem rígidos e prostrados no solo. Benedict admitiu que durante a captura desses índios os que dançavam tinham visões de libertamento dos brancos.
Outros exemplos dos poderes mágicos da dança incluem o dos primitivos dançadores do nordeste do México. O que era visto nas danças dos feiticeiros na Califórnia. Ambas as danças requerem algum componente de acesso cataléptico.[14]
Referindo-se aos repetidos e monótonos ritmos de dança da cultura azteca, Gaston diz: “Isso faz lembrar o rock and roll”.[15]
Mais recentemente, o campo da psicologia da música foi tema de estudo de cientistas soviéticos, e a relação entre o ritmo e o movimento do corpo foi claramente mostrada.
A música especialmente selecionada, aumenta a capacidade de trabalho dos músculos. Ao mesmo tempo, o ritmo de movimentos do trabalhador muda com a mudança de ritmo musical. É como se a música determinasse uma velocidade ideal do movimento rítmico. Outra série de experiências em estudantes, provou que não somente a capacidade de trabalhar é alterada sob a influência da música, mas também a pulsação e a pressão sangüínea.[16]
Este é, apenas, um breve relato de alguns estudos científicos sobre a música e seus efeitos sobre a mente e o corpo. Entretanto, mesmo essa limitada informação traz à baila alguns dados: 1) a música é percebida e apreciada sem necessariamente ser interpretada pelos mais altos centros do cérebro, os quais envolvem a razão e o discernimento; 2) a reação à música é mensurável mesmo que o ouvinte não preste atenção consciente dela.
Notas e Bibliografia:
[1] Dorothy Schullian e Max Schoen, “Music and Medicina” (New York: Henry
Schuman, lnc., 1948), pp. 270 e 271.
[2] Max Shosn “Psychology of Music” (New York: Ronald, 1940), p. 89
[3] Edward Podolski, “Music for Your Health” (New York: Bernard Ackerman, lnc.,
1946), pp. 26 a 27.
[4] Schullian e Shoen, Op. Cit., pp 168 e 169.
[5] lbid., p 270.
[6] Doris Soilbelrnan, “Therapeutic and Indultrial Use of Music” (New York:
Columbia University Press. 1948), p. 47.
[7] G. e H. Harrer, “Music, Emotion and Vegetativum”, Wiener Medizinnische
Wonchenschrilt, NR. 45/46, 1968.
[8] Leonard Gilman e Fraces Papert., “Music and Your Emotions” (New York:
Liveright 1958), p. 28.
9. Charles Discerens e Harry Fine, ” A Psychology of Music” (Cincinnati: College
of Music, 1939), p. 229.
[10] Schullian e Schoen, Op. Cit., p. 146. 11. Soibelman, Op. Cit., p. 47.
[11] Soibelman, Pp. Cit. P. 47.
[12] Willen Van de Wall, “Music in Hospitals” (New York: Russel Sage Foundation,
1946), p. 15.
[13] Marshall Stearns, “The Story of Jazz” (New York: Oxford, 1956), pp. 38-50.
[14] E. Thayer Gaston, Music and Therapy” (New York: Macmilan Co, 1968), p. 323.
[15] Ibid., p. 20.
[16] Lonid Melnikov, “U.S.S.R.; Music and Medicine”, Music Journal XXVII: 18
(Nov. 1970).
Fonte: Revista Adventista. Fevereiro (págs. 40-42) de 1977.