Lele


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Vi minha filha Elena respirar pela primeira vez – eu estava na sala de parto e assisti ela nascer – ouvi seu primeiro choro. Foi o único filho que eu vi nascer porque, antes dela, os médicos detestavam pais atrapalhando no centro cirúrgico.

Ajudei a Severina – nossa empregada na época – a criar a Lele, dava comida na boca, contava histórias de Lobo Mau – até “aprendi” com ela, pequenininha, que aquele bicho empalhado num bar vagabundo de beira de estrada (um lobo guará), que eu insistia em dizer que era lobo, não era lobo não, era apenas um cachorro, por que lobo é “si levantado”, tive que concordar – lobo mau que se preza é “si levantado” mesmo.

Levava Lele à escola e buscava da escola e ouvia as ótimas “estórias” do Rodrigo e outros meninos pelos quais a Lele sempre se apaixonou (com 5 anos, diga-se de passagem) – afinal o sexo oposto sempre foi um assunto da maior importância para ela. Encontrei a Lele, um dia, já pronta para sair, de lancheira e uniforme da escola, botas (em vez do tênis azul marinho do uniforme) e um enorme laço de fita amarelo na cabeça. Perguntei se ela estava pronta e ela disse que sim, perguntei se ela ia com aquela roupa e ela disse que sim. Já no carro, a caminho da escola, puxei assunto para saber o motivo daquele estranho outfit e fui informado que era para chamar à atenção do Rodrigo, que gostava de meninas de cabelo “amarelo” (loiro) e como ela própria não tinha cabelo “amarelo”, estava colocando a fita para fazer às vezes de cabelo amarelo, na realidade percebi que ela estava dressed to kill. O modelito não fez efeito com o Rodrigo, mas quando fui buscá-la na saída da aula, o Alexandre, um loirinho, um ano mais velho, veio até o carro carregando a lancheira para ela – Lele atirou no que viu e acertou no que não viu.

Outra vez, estávamos indo a algum lugar de carro, os 3 filhos no banco de trás (não se usavam cadeirinhas naquele tempo!!!). Lele, como boa caçula, no meio, Bob e Elise nas janelas. Devo ter dado uma freada brusca e Lele caiu e bateu o joelho no console do ar condicionado que havia entre os bancos. Começou a chorar e eu olhei, vi que não era nada grave e soltei o meu tradicional: “Ah, Lele, não foi nada, até casar sara”. Ela imediatamente retrucou, ainda entre choramingos: “Então vai demorar muito, porque o Rodrigo não quer casar comigo”.

Alguns anos depois, vi a Lele corajosamente saltar de Asa Delta muitas vezes, causando furor entre a plateia da praia do Pepino, que ficava admirada de ver “uma menininha tão pequeninha saltando de Asa Delta” (e, provavelmente, achando o pai um maluco irresponsável).

Também vi Lele pilotar Jet Ski alucinadamente, sozinha, porque o instrutor desistiu de copilotá-la depois de vários caldos e então ele preferia ficar no barco comigo, enquanto a Lele, Bob e Elise, faziam suas manobras radicais no Jet Ski.

Vi a Lele se divertir naquelas impressionantes montanhas russas da Disneyworld e Bush Garden e descemos juntos naquele elevador que despenca – eu apavorado, ela às gargalhadas.

Vi a Lele lutar contra a doença com toda a coragem e não se deixar abater nunca. Vi a Lele se formar no primeiro grau, comemorar seus 15 anos, se formar no colegial, fazer profissão de fé por iniciativa própria, fazer a tradicional viagem de formatura à Porto Seguro (só não pode fazer tererê por falta de cabelo), ir ao baile de formatur – lindíssima, diga-se de passagem, de vestido vermelho longo e lenço do mesmo tecido do vestido na cabeça, batom bem vermelho combinando, arrasou – neste dia ela estava mesmo dressed to kill.
Depois, fez cursinho no Anglo, ainda que bastante capengamente pois ficou internada no hospital várias vezes, uma delas por 20 dias, mas deixou uma marca suficientemente forte para fazer com que o professor coordenador do cursinho enviasse um telegrama de pêsames para mim, em nome de todos os professores, alunos e funcionários.

Tornou-se representante de produtos Natura e ficava feliz de ganhar um dinheirinho com isso.

Quando comecei a dar aulas no Latu Sensu do Mackenzie, foi a Lele que me ensinou a usar o Power Point para preparar minhas aulas, a importar arquivos de outros programas, a usar o scanner para introduzir figuras na apresentação.
Lele fez vestibular para jornalismo no Mackenzie e entrou na primeira lista. Quase morri de orgulho. Ela esnobou: “pai, eram só quatro candidatos por vaga” e eu respondi, os outros três candidatos não estavam doentes, puderam terminar a oitava série sem faltar às aulas, puderam fazer o colegial sem faltar às aulas, puderam fazer cursinho sem faltar às aulas e, mesmo assim, ficaram de fora, você entrou! Fomos juntos fazer matrícula, tirar foto 3×4, tirar CPF no Correio e abrir conta no Itaú com talão de cheque e cartão de crédito – ela estava super orgulhosa de ter um cartão de crédito só dela. Embora ela tenha frequentado o curso de jornalismo por pouco tempo, arranjou logo um admirador entre os colegas!

Depois vi a saúde da Elena piorar radicalmente, sem que eu pudesse fazer nada e ouvi ela dizer para mim no hospital “vai dar tudo certo, vai ficar tudo bem, vamos orar” e orei com ela até ficar de boca seca. Menos de 24hs depois assisti ao último respiro que ela deu, de mãos dadas comigo. Para ela, tenho certeza, deu tudo certo mesmo, mas eu fiquei arrasado. Todos os colegas de classe de faculdade, cursinho, colegial e vários do fundamental foram ao enterro.

Hoje, ela estaria completando 32 anos! Foi uma vidinha muito curta, mas dou graças a Deus por ter sido o pai da Elena e ter convivido com ela durante maravilhosos 18 anos!!!

Pai da Lele: Roberto Borges Kerr SP/SP
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Desejo que o seu Novo Dia Concedido seja: Feliz!
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Fraternalmente,
Leal – aprendiz em todas as instâncias da Vida
Encarnado há 28.353 dias.
Obrigado Senhor!
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