Pandemia flagra a evolução

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Pandemia flagra a evolução

Marcelo Leite – colunisata da Folha de São Paulo. (01mai09-A10)

O influenza, como qualquer vírus, nem merece ser chamado de ser vivo, pois depende de organismos verdadeiros para se reproduzir. Apesar disso, pode ser considerado um tanto promíscuo: frequenta várias espécies, notadamente humanos, suínos e muitas aves, em cujos corpos as diversas variedades se encontram e fazem intercâmbio de material genético.

A gripe atual, cuja letalidade acha-se ainda mal caracterizada, parece ter surgido pela recombinação de partes de genes do vírus no organismo de porcos mexicanos. Já se identificaram no vírus H1N1 pedaços típicos de variedades que infectam tanto porcos quanto seres humanos e aves.

A geração contínua de variedade constitui a principal arma do influenza. Muitas mutações assim surgidas revelam-se contraproducentes para o vírus, pouco afetando sua capacidade de infectar humanos. De tempos em tempos, porém, emerge uma mescla com alto poder de burlar o sistema imune e mobilizar as células humanas para fabricar partículas virais.

O motor do processo de espalhamento do vírus pelo mundo (pandemia) é um belo exemplo de seleção natural.

Vírus de gripe há muitos por aí, mas só alguns adquirem a capacidade de transferir-se diretamente de pessoa a pessoa depois de saltar de porcos ou aves para homens e mulheres, libertando-se com isso do reservatório animal. A cepa viral bem sucedida passa então por uma explosão populacional, transformando cada vez mais corpos humanos em fábricas montadoras de vírus.

A espécie humana constitui um paraíso viral, com sua propensão para aglomerar-se em espaços fechados e deslocar-se a jato de um continente a outro. Ao alcançar novos países e populações, a variedade pandêmica do influenza entra em contato com outras cepas, criando novas oportunidades de recombinação genética.

Milhões de organismos humanos passam então a desempenhar o papel dos porcos mexicanos. Tornam-se por assim dizer laboratórios de experimentação viral.

O pesadelo dos epidemiologistas é que nesse processo surjam variedades ainda mais poderosas. Por exemplo, vírus que se tornem mais letais, enfraquecendo o organismo a ponto de torná-lo presa fácil de bactérias de pneumonia (não sem antes passar adiante zilhões de partículas). Ou cepas de influenza resistentes a antivirais como Tamiflu e Relenza.

Variação e seleção, porém, também trabalham a favor da espécie humana. Nosso sistema imune experimenta o tempo todo novos anticorpos para contra-atacar os vírus. Mas não há garantia de que sairá vitorioso dessa corrida armamentista.
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0105200905.htm
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