Ano 2012

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2012: O “fim” do mundo
Neutrinos sofrendo mutações?
Darwin virou astrofísico?

No fim de semana passado, o filme “2012”, dirigido pelo mestre do cinema-catástrofe Roland Emmerich (de “Independence Day” e “O Dia Depois de Amanhã”), explodiu nas telas mundo afora. Segundo o jornal L.A. Times, o faturamento estimado, só no primeiro fim-de-semana, foi de US$ 225 milhões.
Um dos maiores da história. Por que tanta gente quer ver o mundo acabar?
O casamento entre mitos de fim do mundo -no caso, um texto maia extremamente vago- e o poder dos meios de comunicação parece ser irresistível. O que estamos vendo, em grande escala, é a universalidade do medo. O mesmo que fazia as pessoas tremerem durante a Idade Média ou na cordilheira dos Andes quando surgia um cometa no céu, ou quando ocorria um eclipse total do Sol.

Tanto no passado quanto no presente, os céus estão cheios de deuses; e, pelo jeito, a maioria das pessoas ainda acredita que são eles que determinam se vamos ou não viver.

Primeiro, tenho o dever de analisar a base científica do filme. Afinal, como disse um dos personagens, “com todas nossas máquinas e tecnologia, e os maias já haviam previsto isso tudo”.
Será? A história começa no fundo de uma mina na Índia, onde cientistas analisam o fluxo de neutrinos vindos do Sol. Até aqui tudo bem, é isso mesmo o que ocorre. Existem vários laboratórios pelo mundo localizados em minas profundas. O maior deles é chamado Super-Kamiokande, no Japão. (http://en.wikipedia.org/wiki/Super-Kamiokande) Nas cavernas das minas, tubos fotomultiplicadores ultrassensíveis podem acusar a raríssima interação de um neutrino vindo do interior do Sol -uma profusão deles é produzida na fusão de hidrogênio em hélio que gera a energia solar- com moléculas de água em tanques gigantescos. Aliás, cerca de 1 trilhão desses neutrinos solares passa pelo seu corpo por segundo, sem que você se dê conta: por isso, são chamados de “partículas-fantasmas”, capazes de atravessar paredes de aço de quilômetros de espessura como se não existissem.

A história fica absurda quando o cientista indiano explica ao americano que, de uns anos para cá, os neutrinos solares sofreram uma mutação e começaram a interagir intensamente com a matéria no interior da Terra.

Neutrinos sofrendo mutações? Feito bactérias? Darwin virou astrofísico? Não só isso, mas esses neutrinos misteriosamente não interagiam conosco ou com navios e aviões, só com o metal no interior da Terra, causando o seu rápido aquecimento. Neutrinos não sofrem mutações. As estrelas, centenas de bilhões delas só na nossa galáxia, vêm funcionando exatamente do mesmo modo há pelo menos 10 bilhões de anos sem esse tipo de anomalia. Cientificamente, o cenário de 2012 não faz o menor sentido.

Mas, como é um filme e não um documentário, não deveríamos esperar uma ciência precisa; disso, já desisti.
(Por coincidência, escrevi um roteiro junto com um colega no qual o Sol também entra em crise. A diferença é que, no nosso caso, a ciência é bem mais sólida. Infelizmente, os estúdios de Hollywood não parecem estar muito interessados.) O que podemos dizer desse medo apocalíptico para 2012?

Em termos concretos, que é uma fabricação. O Sol passa por ciclos, noa quais sua atividade oscila com um período de 11 anos. No máximo do ciclo, uma maior atividade magnética ocorre, e aumenta o número de manchas solares e de emissão de matéria. O próximo máximo é esperado para 2011. Ocorrerão algumas tempestades solares e, como é o caso a cada ciclo, algumas serão maiores, outras menores. Espero que as pessoas não confundam fantasia com realidade e entrem em pânico inutilmente.
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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro “A Harmonia do Mundo”
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2211200908.htm
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Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
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