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Igrejas evangélicas

04/03/2007
Igrejas evangélicas tiram fiéis latino-americanos do catolicismo

Jens Glüsing

Os pastores evangélicos pentecostais na América Latina estão atraindo um número cada vez maior de católicos romanos para sua seita, com táticas modernas de marketing, incluindo bonés e camisetas com logotipos. A variedade de “serviços” religiosos oferecidos chega até mesmo a exorcismos.

Era noite de domingo em Perdizes, um bairro próspero de São Paulo. Centenas de adolescentes estavam a caminho de um serviço religioso em um antigo cinema. Os garotos estavam trajando roupa de surfista; as garotas usavam maquiagem pesada e vestiam tops parcos e jeans apertados. A maioria carregava uma Bíblia.

Um cantor em calça de couro preta apertada animava o público com ritmos reggae. Os jovens batiam o pé acompanhando o ritmo. Então as luzes da casa diminuíram, criando um ambiente perfeito para namoro. De repente, os holofotes se acenderam. O público aplaudiu e assovio, como se preparado para um concerto de rock. Raios de luz convergiram para um homem baixinho trajando jeans: o pastor Rinaldo Pereira.

O pastor de 34 anos arremessou seus braços no ar enquanto saudava sua congregação e se colocava atrás de seu altar, uma prancha de surfe sobre cavaletes. Às suas costas, um laptop projetava na parede imagens tranqüilizantes de paisagens de montanha e entardeceres. “Deus quer que vocês sorriam”, berrou o pastor para o salão lotado. Os enormes alto-falantes ao lado do altar pulsavam. “Jesus! Jesus!” cantava o público.

Bem-vindo à Igreja Bola de Neve; ela é uma das centenas de comunidades protestantes pentecostais em São Paulo. Cerca de 5.000 fiéis participam do serviço religioso que o pastor “Rina” preside a cada domingo. A maioria dos fiéis tem menos de 30 anos. Enquanto seus pares estão circulando em shopping centers e pizzarias, os adolescentes em Perdizes estão na igreja. “O pastor Rina é da hora!” disse uma garota na entrada.

Um ex-pastor batista, Rina assumiu o salão em Perdizes há três anos, atraindo adolescentes com métodos de marketing que copiou do setor privado, vendendo camisetas da moda e bonés com o logotipo de sua igreja. No fim de semana, ele gosta de surfar longe de São Paulo. Um astuto pescador de almas, ele passou seis anos aprendendo seu ofício, pescando consumidores no departamento de marketing da Nestlé.

Rina decidiu estabelecer uma comunidade protestante pentecostal por uma “experiência espiritual”, ele disse. Ele realizou seu primeiro serviço religioso em uma loja de produtos de surfe para um grupo de amigos. “Minha geração tem um forte anseio por espiritualidade que a Igreja Católica não consegue atender”, ele explicou. “Religião era considerada quadrada. Então tínhamos que oferecer algo novo.”

A Igreja Bola de Neve visa os jovens. Não há código de vestuário; o ambiente é descontraído e informal. “Deus não se importa com aparência”, disse Rina, que vê a si mesmo como um animador a serviço do Senhor. Seus sermões são pontuados por piadas e ele freqüentemente chama os fiéis ao palco para atuações de improviso. Músicos de rock de primeira fornecem o acompanhamento. Até agora o conceito surtiu efeito: a igreja de Rina já conta com 26 filiais ao redor do país, incluindo algumas próximas das mais belas praias do Brasil.

O pastor surfista representa uma nova geração de pastores protestantes.
Diferente das comunidades pentecostais tradicionais, o foco não é a coleta do dízimo. Rina arrecada dinheiro vendendo surfwear, assim como CDs e DVDs contendo as músicas dos serviços religiosos. A Igreja Bola de Neve é tanto um centro de bem-estar religioso quanto um templo multimídia, atendendo não aos pobres, mas aos garotos de classe média com dinheiro. As vendas dos CDs do pastor Rina geralmente chegam a várias centenas de milhares.

Novas igrejas que esperam seguir a onda de sucesso de Rina estão despontando por todo o Brasil; apenas em São Paulo, as estatísticas mostram que novas igrejas evangélicas são fundadas na taxa de uma por dia. As igrejas atendem a todos gostos e orçamentos: algumas oferecem curas milagrosas e exorcismos; algumas atraem seguidores com música pop; outras se especializam em telemarketing. Como um bufê de salada, os fiéis podem provar um bocado dos pratos espirituais. Se não gostarem de um produto, podem simplesmente provar outro.

A Igreja Católica foi duramente atingida. Hordas de fiéis do maior país católico do mundo a estão trocando pelas igrejas evangélicas. O arcebispo de São Paulo, o cardeal Cláudio Hummes, estima que as igrejas católicas perderam um terço de seus fiéis nos últimos 40 anos. Sete entre 10 ex-católicos estão buscando a salvação em uma comunidade protestante.

Cerca de 18% dos brasileiros pertence a igrejas protestantes e metade de todos os fiéis em muitas das maiores cidades agora são protestantes. Uma guerra santa pelas almas das pessoas está sendo travada no Brasil”, disse Regina Novaes, uma antropóloga e especialista em religiões. “A Igreja Católica perdeu o toque com as massas.”

Enquanto as igrejas pentecostais -“uma árvore com muitos ramos” (Novaes)- cultiva um relacionamento direto com Deus, os católicos passam por um intermediário, o padre. “Os católicos não fornecem respostas rápidas para as necessidades das pessoas. Os protestantes são mais dinâmicos”, disse Novaes.

A tendência se repete por toda a América Latina, antes baluarte do catolicismo romano no Terceiro Mundo. Do México até a Argentina, a Igreja está recuando. Em apenas poucos anos, mais da metade das populações da Guatemala e El Salvador deverão ser protestantes.

Ritmos de rap-metal ressoavam no salão de uma igreja com telhas onduladas metálicas no bairro de Villa Reconciliación, um distrito pobre de Manágua, a capital nicaragüense. Um jovem estava sentado diante do teclado, fazendo um rap sobre a morte de seu irmão. Uma camisa de mangas longas escondia suas tatuagens.

O corpo de Geovany Rodríguez é uma massa de tatuagens marciais e cicatrizes de ferimentos de faca. A cabeça de um cão babando no bíceps do homem de 29 anos indica sua filiação em Los Perros. “Os Cães” -cerca de 60 adolescentes e jovens adultos- estabeleceram um reinado de terror nas favelas da capital nicaragüense. Até seis anos atrás, Geovany era um dos líderes da gangue.

Ele fumava maconha e cheirava cocaína, financiando seu vício em drogas e seu arsenal de armas roubando ônibus e lojas. Ele foi preso quatro vezes e passou vários anos na prisão. Seu irmão foi baleado por uma gangue rival, supostamente para vingar o assassinato de um de seus membros.

Geovany disse que nunca matou ninguém, mas ele evita contato com os olhos ao dizer isto. Ele fala desconfortavelmente sobre seu passado. “Minha vida estava em um beco sem saída”, ele disse. “Eu me sentia vazio por dentro.” Um pastor da comunidade pentecostal Luz del Mundo abordou o jovem gângster na rua, o levou para o serviço religioso e permitiu que ele cantasse ao teclado. Geovany disse que sentiu um “poder sobrenatural” no momento.

Agora ele é um freqüentador assíduo da igreja. Os pastores o colocaram sob sua proteção, o empregando em serviços e o ajudando a desenvolver sua habilidade musical. Ele abandonou as drogas e o álcool.

Durante o serviço religioso, ele toca música rap religiosa. As letras descrevem sua conversão para um crente, como os cristãos renascidos são chamados. Um dia ele espera se tornar um músico profissional.

Como todas as comunidades pentecostais, a Luz del Mundo exerce controle restrito sobre seus membros. Seis vezes por semana, o pastor Wilmer Espinosa convoca os jovens para serviço na igreja. Quem não comparece é buscado em casa. “A comunidade exerce mais pressão sobre o indivíduo do que a Igreja Católica”, disse Novaes. As pessoas que passam por crises pessoais podem contar com o sistema de apoio de suas congregações.

A Luz del Mundo é uma das maiores comunidades pentecostais da América Latina. Sua sede fica na Venezuela, mas ela tem igrejas por toda a região.

Seu líder, Jaime Banks Puertas, um ex-oficial das forças armadas da Venezuela, opera emissoras de rádio e produz programas de TV. Ele também usa a Internet como ferramenta missionária.

Os dias de igrejas pentecostais latino-americanas lideradas por americanos acabaram; a influência dos cristãos renascidos fundamentalistas desapareceu.
Os missionários de hoje vêm do Brasil, Venezuela e Porto Rico.

Os brasileiros, em particular, atualmente dominam o mercado pentecostal. A Igreja Universal do Reino de Deus, comandada pelo controverso “bispo” Edir Macedo, e a igreja evangélica dos pobres, Assembléia de Deus, possuem igrejas em Lisboa, Londres, Berlim e Moscou. Na América Latina, África e Leste Europeu, dezenas de milhares atendem aos serviços religiosos ministrados por pastores brasileiros. Edir Macedo encheu sem esforço o estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, com 200 mil fiéis.

Macedo está travando uma disputa amarga com sua arqui-rival, a Assembléia de Deus, a maior comunidade evangélica pentecostal do Brasil. Ambas as igrejas vivem do sistema de dízimo, em que os pastores pressionam os fiéis a doarem dinheiro após cada culto.

O pastor da Igreja Universal exibiu a cesta de coleta durante o serviço em Botafogo, um bairro do Rio: “Se puder, doe R$ 50!” Ajudantes percorriam os bancos, recolhendo as doações. “Se não tiver R$ 50, doe 20, 30, 10 ou cinco!” Ninguém quer parecer sovina; mesmo o mais destituído doa um real ou dois.

Após o serviço, Macedo correu para seu carro e seguiu para a próxima igreja. O emprego de pastor paga bem: um recente anúncio de emprego oferecia R$ 3.500 por mês, mais um carro da “empresa”. No Brasil, as igrejas contam com isenções especiais de impostos -aumentando o incentivo para candidatos a pastores.

Antes um vendedor de loteria no Rio, Macedo agora é um multimilionário com ativos incluindo casas de campo nos Estados Unidos, um iate e avião particular. Suas igrejas imensas possuem assentos para dezenas de milhares de fiéis e sua mistura de mármore e vidro passou a dominar a paisagem arquitetônica do Brasil suburbano.

Os fiéis não fazem objeção à cobiça de seus líderes: a riqueza em si não é considerada um pecado, mas sim desejável. “Nas comunidades pentecostais, qualquer um pode se tornar um pastor”, disse Novaes. “Para a maioria das pessoas, um carro bacana é símbolo de status.”

No final dos anos 80, um estudo altamente divulgado do antropólogo americano Sheldon Annis concluiu que as comunidades protestantes são comercialmente mais bem-sucedidas que as comunidades católicas. Annis comparou a produtividade das operações de tecelagem em duas aldeias na Guatemala. Suas conclusões apontaram que, em comparação aos católicos, os pentecostais adotaram técnicas modernas de produção mais rapidamente, eram mais eficientes e mais preocupados em progredir.

“Apesar de sua freqüente identificação política atual de direita”, escreveu Annis, “em pelo menos um sentido os primeiros missionários protestantes eram revolucionários das bases. (…) Aos olhos deles, a Igreja, o álcool e a dívida eram instrumentos de escravidão -e eles, os missionários, eram os libertadores”.

As comunidades pentecostais são, portanto, percebidas como igrejas para alpinistas sociais. Em vez de prometerem uma vida melhor no paraíso, elas pregam sobre a riqueza aqui e agora. E oferecem assistência prática na batalha contra o álcool e as drogas.

Logo, não é de se estranhar que sejam ímãs para os pobres. A favela de Vigário Geral é uma das mais perigosas no Rio, mas conta com 14 comunidades pentecostais -e apenas uma Igreja Católica. Nos presídios superlotados da cidade, que são em grande parte controlados pelas gangues do narcotráfico, pastores protestantes converteram milhares de criminosos em cristãos renascidos. Vários chefões do crime e matadores se tornaram homens de Deus.

Nas favelas do Rio, as igrejas pentecostais e as gangues da cocaína
coexistem em um estado de simbiose confortável.

Era noite de sexta-feira em São João de Meriti, uma cidade pobre do Rio. Algumas poucas centenas de fiéis, entre eles antigos chefões das drogas, assassinos e ladrões, se reuniram na igreja pentecostal Assembléia de Deus dos Últimos Dias. Os homens vestiam ternos e gravatas; todas as mulheres vestiam saia; o pastor Marcos Pereira não permite que elas vistam calça no serviço religioso.

Pereira, um homem robusto de meia-idade com olhar penetrante, é o mais conhecido e mais controverso salvador de almas do Rio. E ele é considerado uma lenda nas favelas: “Eu salvei centenas de meninos da tortura e morte”, ele se gaba. Os moradores freqüentemente o chamam para mediar disputas entre gangues rivais das drogas. Mesmo o mais durão entra na linha quando o pastor aparece.

Os serviços religiosos de Pereira são verdadeiros espetáculos, megaeventos exibindo atos milagrosos de cura e exorcismo. Um após o outro, os membros de seu rebanho entram em transe. O pastor olha brevemente seus fiéis nos olhos, pressiona sua mão em suas testas e os “possessos” caem no chão. “Desapareça, demônio!” berra Pereira enquanto anda empertigado ao redor das vítimas, que se encolhem e gemem, com um dervixe rodopiante. Estalando seus dedos, ele as tira de seus transes após poucos minutos. Mesmo as pernas de estranhos ficam bambas quando Pereira lhes volta seu olhar. O homem tem poderes hipnóticos.

Antes de o pastor descobrir sua “vocação espiritual”, ele servia mesas em Copacabana. “Eu bebia e freqüentava casas de prostituição”, disse Pereira.

“Minha vida era uma bagunça.” Sua “iluminação espiritual” ocorreu em um ônibus; logo depois ele se juntou a uma igreja evangélica. A notícia de seu talento como hipnotista logo se espalhou. Atualmente seus serviços atraem até mesmo políticos e celebridades.

Os esforços de Pereira lhe renderam inúmeras “doações” e ele reuniu uma imensa fortuna. Agora o pastor milagroso está buscando se expandir para o exterior. Ele viajou recentemente à Europa e também fez avanços nos Estados Unidos. “Muito trabalho me aguarda no Primeiro Mundo”, ele disse com uma piscadela nada cristã. “Afinal, há demônios em toda parte.”

Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte:
http://rogerio.unasp.edu.br/wp-content/uploads/2007/03/marketing-nos-pulpitos.doc
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