A árvore da vida
É chegado o momento de construirmos a árvore da vida. Terminado o Projeto Genoma, esse será o grande projeto da biologia. Galho por galho, ramificação por ramificação, as espécies de animais, vegetais e microorganismos serão ordenadas pelo grau de parentesco e pela ordem de aparecimento na evolução.
Desde que Darwin e Wallace revolucionaram a biologia com a demonstração de que as espécies não haviam sido criadas por Deus num dia, como imaginava a ciência da época, houve várias tentativas de agrupar os seres vivos com base em critérios morfológicos como tamanho, número de células, esqueleto ósseo, disposição dos membros ou capacidade de mamar quando pequeno.
No final do século 19, Ernst Haechel propôs uma árvore genealógica que representasse o pedigree do homem. Na base do tronco, ficavam os chamados animais primitivos, categoria na qual incluía seres tão díspares como amebas e animais que põem ovos. Nos primeiros galhos, vinham esponjas, crustáceos, vermes, peixes, aves, répteis e anfíbios. Nos mais altos, estavam representados os mamíferos e, no topo deles, logo acima dos gorilas e orangotangos, aparecia o homem – “o experimento supremo da natureza”.
Tal visão antropocêntrica, que imaginava a evolução um mero mecanismo destinado a atingir o clímax com a criação do Homo sapiens, foi sepultada definitivamente pelos biólogos evolucionistas do século 20. Depois deles, ficou claro que a seleção natural é madrasta impiedosa, não está interessada na criação e muito menos na sobrevivência do homem ou de qualquer outra espécie. Para ela, temos a importância das Wolbachias que vivem no intestino dos carrapatos.
Nos últimos 20 anos, ganharam destaque científico os biólogos filogenéticos, interessados em caracterizar as relações existentes entre as diversas formas de vida a partir da avaliação da proximidade ou distância entre seus DNAs. Comparar a forma do corpo de seres diferentes e identificar semelhanças entre eles, o método clássico de classificação das espécies, passou a ser complementado pela comparação dos repertórios genéticos, a sintonia fina.
Não faz muito tempo, os anfíbios eram considerados descendentes dos dinossauros. Hoje sabemos que não o são, os pássaros e as aves modernas foram os únicos dinossauros que sobreviveram ao final catastrófico. Com as novas técnicas genéticas, muitas bactérias, plantas e animais têm mudado de ramo na árvore genealógica. Seres antes classificados como bactérias se transformam em fungos, saltando distâncias evolutivas maiores do que a existente entre nós e os mosquitos.
A tarefa de construção da nova árvore da vida é gigantesca. Embora existam um milhão e setecentas e cinqüenta mil espécies catalogadas, muitos cientistas calculam que esse número pode chegar a 30 milhões ou mais. Pior: das espécies já registradas, apenas 50 mil estão organizadas em pequenos galhos que ainda não foram postos lado a lado na árvore.
Com a força do argumento de que o número de análises filogenéticas tem dobrado a cada cinco anos e de que a finalidade de construir a árvore não é apenas alinhar espécie por espécie numa seqüência lógica, mas a de definir princípios abrangentes de organização das espécies, a Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos decidiu reunir os maiores especialistas da área para discutir os objetivos a serem atingidos. Impossível não comparar a iniciativa com as que precederam a criação do Projeto Genoma, em meados dos anos 1980.
Como no Genoma, o primeiro desafio será a criação da infra-estrutura de informática – a filoinformática – para processar os infinitos dados obtidos por meio do seqüenciamento automatizado dos genes presentes na incrível biodiversidade terrestre e aquática. A árvore custará caro, talvez mais até do que os US$ 3 bilhões projetados para o Projeto Genoma. Qual será o benefício social de investir recursos tão altos num projeto desse tipo?
A medicina tem utilizado os princípios de relações genéticas entre os microorganismos para explicar como alguns germes se tornam resistentes aos medicamentos, como proteínas produzidas por diferentes organismos podem ser úteis ao homem, ou o impacto que uma bactéria alienígena pode causar na flora intestinal ou numa população de indivíduos suscetíveis a ela.
A organização das espécies em uma árvore genealógica é fundamental porque aprofundará o conhecimento da biodiversidade a níveis jamais imaginados, permitirá fazer previsões que revolucionarão a medicina e a agropecuária e tornará possível a escolha das intervenções mais eficazes para a preservação da natureza.
Além disso, pode existir coisa mais fascinante do que decifrar os caminhos da vida na Terra?
Fonte:
http://drauziovarella.ig.com.br/artigos/arvorevida.asp
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Colaboração:
Diniz Aleixo de Moraes – São Paulo-SP
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