A influência dos maus

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A influência dos maus

Milton R. Medran Moreira

Será certo ainda afirmar que o mundo sofre mais a influência dos maus do que dos bons, como ponderou Kardec a seus interlocutores espirituais, na questão 932 de O Livro dos Espíritos?

Eles responderam que sim. E que isso se devia à timidez dos bons, em contraste com as atitudes dos maus que, segundo os espíritos, são “intrigantes e audaciosos”.

Essas ponderações podem ser a chave para um início de reflexão, com base na filosofia espírita, sobre a situação que vivemos no Brasil, onde, atônita, a opinião pública se depara, a cada passo, com novas revelações a respeito de golpes e negociatas protagonizados por poderosos.

A resposta que deram também abre perspectivas esperançosas a tantos quantos acreditam no avanço da ética sobre a corrupção: “Quando os bons quiserem, haverão de preponderar”. Assim falaram os espíritos, prenunciando os novos tempos.

Progresso da legislação

Será que os bons já estão querendo? Penso que esse desejo está no ar e se expressa através do aperfeiçoamento das instituições. Pouco a pouco, o arcabouço legislativo de uma nação que busca superar suas mazelas éticas vai formando um cerco contra os desmandos de ontem. No sentido contrário a esse movimento progressista, age a resistência de uma elite social que, até bem pouco, dispunha de um sistema legal concebido para lhe garantir vantagens e impunidade.

Romper esse cerco não é tarefa fácil para um povo que já é capaz de sonhar com uma nova ordem de coisas. Daí as seguidas frustrações que, no plano dos fatos, se expressam no prende-solta, nos habeas-corpus, nos recursos judiciais de toda a ordem, que ainda permitem a procrastinação da realização da justiça e a perenização da impunidade.

“Nos tempos de barbárie são os mais fortes que fazem as leis e eles a faziam para si. Contudo à proporção que os homens foram compreendendo melhor a justiça, foi preciso modificá-las”. (L.E.q.795). Assim falaram os espíritos, esquematizando o processo lento e gradual do progresso do ser humano e de suas instituições.

Inteligência e moral

Mesmo sob o influxo desse movimento ascendente, o mal exerce um poder corrosivo sobre toda uma sociedade. Enquanto impunes seus agentes, a corrupção e a violência agem como doenças contagiosas. Daí a sensação de retrocesso e de deterioração que, comumente, toma conta dos bons que, com o avanço do mal, sucumbem ante a descrença no bem. Disso deixou vibrante depoimento Ruy Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem- se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Ocorre que progresso moral não é linear. Retrocessos fazem parte do processo. Em épocas como esta, de grande avanço do conhecimento, fruto do desenvolvimento da inteligência humana, parece se incrementar o mal.

A questão 785 de O Livro dos Espíritos descreve esse estágio e identifica no orgulho e no egoísmo os mais sérios obstáculos ao progresso: “À primeira vista, parece mesmo que o progresso intelectual redobra a atividade daqueles vícios, desenvolvendo a ambição e o gosto das riquezas, que, por sua vez, incitam o homem às pesquisas que lhe esclarecem o Espírito. É assim que tudo se inter-relaciona, tanto no mundo moral quanto no mundo físico, e que do próprio mal pode nascer o bem”.

Assim falaram os espíritos, retratando a época que vivemos, onde os delitos econômicos e a criminalidade organizada atestam o alto grau de inteligência de seus mentores ou executores.

Sensação de recuo

O que não podemos, em momentos como este, é nos deixar dominar pelo derrotismo ou aceitarmos como verdadeira essa sensação de recuo.

Questionados por Kardec se não lhes perecia que o homem recuava moralmente ao invés de avançar, seus entrevistados foram enfáticos: “Enganas-te” – disseram-lhe na questão 784 – “Observa bem o conjunto e verás que ele avança, pois melhor compreende o que é mal, e dia a dia vai corrigindo os abusos. É preciso que o mal chegue ao excesso para tornar compreensível a necessidade do bem e das reformas”.

Assim falaram os espíritos, alertando-nos de que nem tudo está perdido. Ou de que nada está perdido. Pois se é certo que vivemos um típico momento em que a corrupção e a violência parecem nos haver jogado no fundo de um poço, também estamos cientes de que só um esforço conjunto, alicerçado na consciência da excelência e da indispensabilidade do bem, pode de lá nos tirar para inaugurarmos uma nova fase dessa caminhada coletiva.
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Colaboração:
Leila Sonia Moraes Neves – São Paulo-SP
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