A negligência social do idoso
Ser idoso não está entre as coisas mais desejáveis da vida, embora algumas pessoas considerem que essa é a melhor idade e outros a chamem de “terceira idade’: Não importa o nome que atribuímos à última idade do homem. O fato é que ela pode meter medo em muita gente. Portanto, pensar na velhice não é algo que flui com muita facilidade. A verdade é que, um dia, todos nós seremos velhos, isto é, se tivermos sorte e cuidarmos de nossa saúde.
Chegar à velhice não deve ser causa de ressentimento, mas de regozijo. Mesmo assim, o quadro do velho débil, frágil, enrugado, arqueado não nos causa admiração, nem nos desperta muito interesse de observação. Talvez porque nos faz pensar em como seremos no futuro.
Em realidade, não importa a altura da pessoa, não faz diferença a posição, não interessa o status econômico nem a posição social. Não importa se é feio ou bonito, homem ou mulher. Todos caminhamos para uma ruga a mais, um fio de cabelo a menos, a visão mais embaralhada, dificuldade para andar, paladar mais embotado e propensão para as mais variadas enfermidades.
Culto da aparência – Nessa visão da velhice, a mulher sofre um pouco mais.
Sofre mais porque depende da aparência para chamar a atenção. Além disso, ela é bombardeada pela mídia na promoção da indústria cosmética e, ultimamente, pela exploração da cirurgia plástica. Apesar do movimento feminista se esforçar para conscientizar a mulher quanto a outros atributos além da aparência, ela continua avessa a qualquer ameaça à sua beleza. Nada de rugas e sinais de que o tempo vai passando e deixando suas marcas. Até o homem está começando a ter pavor de cabelos brancos, calvície e aumento do abdômen.
Há um narcisismo emergente que leva a pessoa a valorizar cada vez mais a aparência e negligenciar sua essência. O narcisismo é perigoso, pois leva o indivíduo a ficar cada vez mais voltado para sua imagem, ignorar seu ser total e desconsiderar qualquer tipo de sentimento ou importância do outro.
Numa configuração dessas, é muito fácil compreender porque o idoso fica ignorado, abandonado, negligenciado. O que vale é a juventude. O importante é ser jovem. Não importa o ridículo pelo qual uma pessoa tenha que passar para se manter jovem. Não importa o sacrifício ou o custo para tentar impedir a implacabilidade do tempo.
Parece que quanto maior é a ansiedade por se manter jovem, mais medo se tem da velhice, maior é o risco de desespero quando ela chega.
Em busca da integridade – Eric Erikson, em suas considerações sobre as “oito idades do homem”: descreve o período final como integridade versus desespero, fase em que experiências, sonhos e lembranças do passado são trazidos à memória. Há uma tentativa de reconstruir o significado da vida que passou. Há o desejo de chegar a um acordo com a morte que se aproxima numa hora incerta.
Para o referido autor, pessoas sadias são as que alcançaram a integridade do ego, adaptaram-se aos desapontamentos e triunfos da vida, geraram produtos ou idéias, construíram algo. Quando olham para trás e observam sua trajetória, concluem que são especiais e encontraram sentido para a vida. Portanto, aceitam, sem medo, a inevitabilidade da morte, porque isso faz parte do ciclo de vida.
Por outro lado, em contraste com os que alcançam integridade do ego, há os que, ao olhar para trás, sentem desespero pela incapacidade de aceitar os fracassos inevitáveis da vida, viveram uma jornada de egoísmo, não se preocuparam com os outros, centraram-se em si mesmos. Caem no desespero porque descobrem o pouco tempo que lhes resta para viver. Desespero, porque não dá mais tempo de recomeçar, nem de buscar novos caminhos para chegar à integridade.
O que fazemos da vida é o que vai trazer as conseqüências para nós. O que plantamos hoje colheremos amanhã ou depois. A velhice é um fato com o qual precisamos lidar sem abuso contra o idoso. A sua condição merece afeto e proteção.
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Autor: Belisário Marques
Revista: Quebrando o Silêncio
Edição: Especial de 2008
Página: 16
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Publicado em: SinapsesLinks
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