Circuncisão

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De volta à circuncisão

Artigos exaltam o papel da cirurgia na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, como HIV

DRAUZIO VARELLA

CIRCUNCISAR os meninos é prática que vem da Antiguidade. Em que fatos terão se baseado os primeiros a preconizá-la, numa época em que ninguém sonhava com a medicina baseada em evidências dos dias atuais? De onde tiraram a ideia de que cortar a pele que cobre a glande era uma medida saudável?

Faço essas reflexões, leitor, motivado por uma sucessão de artigos publicados em revistas científicas de grande impacto, que exaltam o papel das circuncisões para a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis.

No período de 2005 a 2007, ensaios clínicos controlados conduzidos no Quênia, Uganda e África do Sul, países castigados pela epidemia de Aids, revelaram que homens adultos submetidos à circuncisão apresentavam 50 a 60% de redução na probabilidade de contrair o HIV, quando comparados com aqueles que não haviam sido operados.

Esses estudos e os modelos matemáticos gerados por eles, que permitem prever a velocidade de transmissão do vírus, levaram a Organização Mundial da Saúde e o Programa de HIV/Aids das Nações Unidas a recomendar programas destinados a realizar circuncisões em massa nas áreas mais afetadas pela epidemia. Hoje, diversas agências internacionais destinam recursos para essa finalidade.

Recentemente, a “The New England Journal of Medicine”, revista de maior circulação entre os médicos, publicou uma pesquisa realizada em Uganda, da qual participaram 5.534 homens, com o objetivo de avaliar a segurança do procedimento cirúrgico praticado em larga escala, bem como seu efeito na aquisição e disseminação do HIV e de outros agentes de doenças sexualmente transmissíveis.

Dois anos mais tarde, no grupo de homens submetidos à circuncisão a prevalência do HPV (papilomavírus) diminuiu 35% em comparação com a do grupo de controle. A prevalência do HSV-2, vírus causador do herpes genital, teve redução de 25%. Não houve proteção contra a sífilis.

Os resultados estão de acordo com trabalhos feitos na África do Sul que documentaram reduções na incidência de HSV-2 e nos tipos mais agressivos de HPV da ordem de cerca de 30%.

Por razões estatísticas, a ausência de efeito preventivo contra a sífilis está em discordância com os dados de outros estudos feitos pelo mesmo grupo em Uganda, nos quais a circuncisão foi capaz de reduzir a ocorrência de úlceras genitais (como as da sífilis, por exemplo) nesses homens, e das vaginoses bacterianas em suas parceiras sexuais.

Esse achado é importante, porque a existência de ulcerações genitais dobra ou quadruplica a probabilidade de contrair o HIV.

Tanto o HSV-2 como o HPV são causadores de epidemias mundiais. O herpes genital é uma doença recidivante que causa desconforto, mas só se torna grave em caso de pessoas imunodeprimidas. Já os papilomavírus são mais traiçoeiros, porque alguns tipos são agressivos, causadores de câncer no colo uterino e também no pênis.

O câncer de colo do útero é ainda encontrado em índices vergonhosamente altos no Brasil e em outros países do mundo, nos quais a circuncisão não é procedimento comum. Uma pesquisa com 1.931 casais mostrou que mulheres monogâmicas, casadas com homens circuncisados também monogâmicos, apresentavam redução de mais de 50% dos casos de câncer de colo.

Esses dados têm provocado discussões acaloradas entre os especialistas. Todos concordam que a circuncisão deve ser promovida ativamente e oferecida aos homens que vivem em áreas com alta prevalência de Aids e de outras doenças sexualmente transmissíveis.

A discordância está na indicação no caso dos que vivem em países de prevalência baixa. Os defensores mais radicais da cirurgia propõem que ela seja realizada na fase neonatal, porque causa menos complicações, nenhum trauma psicológico, reduz o risco de infecções urinárias e dos problemas provocados pela fimose nas crianças.

A Sociedade Americana de Pediatria, que anteriormente havia concluído serem insuficientes as evidências para recomendar circuncisão neonatal de rotina, está revendo suas posições com a colaboração de outras organizações médicas.

Os que são contrários à ideia, consideram que nos países de baixa prevalência de Aids essa é uma decisão pessoal, a ser tomada por homens adultos devidamente informados das vantagens e das desvantagens do procedimento.
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1912200926.htm
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Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
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