O segundo cérebro

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O segundo cérebro
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DRAUZIO VARELLA

A síndrome do intestino irritável já foi vista como distúrbio alimentar provocado pelo estresse

O INTESTINO é um órgão tão temperamental que os fisiologistas o consideram nosso segundo cérebro.

A seleção natural elegeu mecanismos neurológicos de alta complexidade para assegurar contrações e relaxamentos harmoniosos da musculatura intestinal, com a finalidade de fazer progredir o bolo alimentar: as ondas peristálticas.

Disposta ao longo do tubo digestivo, uma extensa circuitaria de neurônios conectada com o cérebro e com a medula espinhal controla o ritmo dessas ondas. Hormônios e mais de trinta neurotransmissores modulam os impulsos nervosos que trafegam de um neurônio para outro, para proceder ao ajuste fino da movimentação intestinal.

Quando os alimentos caem no estômago, esses neurotransmissores disparam o reflexo gastrocólico, verdadeira ordem para que as alças do intestino iniciem o movimento.

Um dos neurotransmissores mais atuantes nessa transmissão de mensagens é a serotonina. Como conseqüência, fatores que alteram a produção de serotonina ou modificam as características dos receptores aos quais ela se liga causam não apenas transtornos psicológicos, mas desorganizam as ondas peristálticas e podem provocar obstipação (prisão de ventre), diarréia, dispepsia e a síndrome do intestino irritável.

Estudos mostram que de 10% a 20% dos adultos se queixam de obstipação, e que a incidência nas mulheres é duas vezes maior.

Há dois tipos de obstipação crônica: o primeiro é caracterizado por lentidão do trânsito; no segundo, a freqüência das evacuações pode estar normal ou mesmo aumentada, mas o volume é reduzido e as fezes são difíceis de eliminar. Nos dois casos, fica a sensação de esvaziamento incompleto do conteúdo intestinal.

Existe uma tendência entre os gastroenterologistas de considerar a obstipação crônica parte da chamada síndrome do intestino irritável.

Antigamente conhecida como “colite nervosa” ou “síndrome do cólon irritável”, nela não encontramos lesões patológicas, mas alterações no mecanismo de sinalização mediado pelos neurotransmissores e por seus receptores, que interferem com as ondas peristálticas, modificando os hábitos digestivos.

O diagnóstico é feito clinicamente, depois que o médico ouviu as queixas, pediu exames e excluiu a possibilidade de enfermidades mais graves. Sintomas como diarréia e prisão de ventre podem ocorrer no câncer de cólon e em doenças inflamatórias como a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn, condições que exigem a realização de colonoscopia, para visualizar e colher amostras do revestimento interno do intestino grosso.

Vários critérios foram estabelecidos para padronizar o diagnóstico da síndrome: dores abdominais aliviadas ao evacuar, fezes amolecidas, evacuações mais freqüentes quando as dores se instalam, distensão abdominal, presença de muco nas fezes e sensação de que a evacuação foi incompleta.

Muitas vezes, os portadores dessa sintomatologia só buscam ajuda após o uso crônico de laxantes, lavagens e tratamentos caseiros inúteis.

São aconselháveis, em todos os casos: hidratação adequada, atividade física, alimentar-se em intervalos regulares e usar o banheiro sempre no mesmo horário para tentar estabelecer um ritmo.

Evitar comidas picantes, muito salgadas, com excesso de condimentos ou conservantes, doces concentrados e alimentos que provocam flatulência (feijão, grão de bico, repolho etc.). É preciso cuidado com o leite: 60% a 70% daqueles com mais de 60 anos apresentam algum nível de intolerância à lactose.

O consumo de fibras deve ser estimulado em caso de obstipação, mas evitado se houver diarréia. As fibras solúveis, como as encontradas em polpas de frutas e alguns cereais, ajudam a formar e compactar o bolo fecal. As insolúveis, presentes na casca das frutas, em alguns cereais e em todas as verduras, não têm capacidade de compactá-lo e funcionam como laxantes.

Embora sempre úteis, essas medidas podem ser insuficientes para controlar os sintomas: boa parte dos pacientes necessita de tratamento medicamentoso.

Não vai longe o tempo em que a síndrome do intestino irritável era interpretada como simples distúrbio alimentar provocado pelo estresse, em pessoas neurastênicas. Hoje, sabemos que se trata de uma doença crônica resultante de alterações neuroquímicas que interferem no ritmo dos movimentos peristálticos. O tratamento exige cuidados dietéticos, orientação médica e até medicamentos de uso prolongado.

Fonte:
JFSP 24nov07 E16
http://drauziovarella.com.br/

O Segundo Cérebro

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O segundo cérebro

A síndrome do intestino irritável já foi vista como distúrbio alimentar provocado pelo estresse

O INTESTINO é um órgão tão temperamental que os fisiologistas o consideram nosso segundo cérebro.

A seleção natural elegeu mecanismos neurológicos de alta complexidade para assegurar contrações e relaxamentos harmoniosos da musculatura intestinal, com a finalidade de fazer progredir o bolo alimentar: as ondas peristálticas.

Disposta ao longo do tubo digestivo, uma extensa circuitaria de neurônios conectada com o cérebro e com a medula espinhal controla o ritmo dessas ondas. Hormônios e mais de trinta neurotransmissores modulam os impulsos nervosos que trafegam de um neurônio para outro, para proceder ao ajuste fino da movimentação intestinal.

Quando os alimentos caem no estômago, esses neurotransmissores disparam o reflexo gastrocólico, verdadeira ordem para que as alças do intestino iniciem o movimento.

Um dos neurotransmissores mais atuantes nessa transmissão de mensagens é a serotonina. Como conseqüência, fatores que alteram a produção de serotonina ou modificam as características dos receptores aos quais ela se liga causam não apenas transtornos psicológicos, mas desorganizam as ondas peristálticas e podem provocar obstipação (prisão de ventre), diarréia, dispepsia e a síndrome do intestino irritável.

Estudos mostram que de 10% a 20% dos adultos se queixam de obstipação, e que a incidência nas mulheres é duas vezes maior.

Há dois tipos de obstipação crônica: o primeiro é caracterizado por lentidão do trânsito; no segundo, a freqüência das evacuações pode estar normal ou mesmo aumentada, mas o volume é reduzido e as fezes são difíceis de eliminar. Nos dois casos, fica a sensação de esvaziamento incompleto do conteúdo intestinal.

Existe uma tendência entre os gastroenterologistas de considerar a obstipação crônica parte da chamada síndrome do intestino irritável.

Antigamente conhecida como “colite nervosa” ou “síndrome do cólon irritável”, nela não encontramos lesões patológicas, mas alterações no mecanismo de sinalização mediado pelos neurotransmissores e por seus receptores, que interferem com as ondas peristálticas, modificando os hábitos digestivos.

O diagnóstico é feito clinicamente, depois que o médico ouviu as queixas, pediu exames e excluiu a possibilidade de enfermidades mais graves. Sintomas como diarréia e prisão de ventre podem ocorrer no câncer de cólon e em doenças inflamatórias como a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn, condições que exigem a realização de colonoscopia, para visualizar e colher amostras do revestimento interno do intestino grosso.

Vários critérios foram estabelecidos para padronizar o diagnóstico da síndrome: dores abdominais aliviadas ao evacuar, fezes amolecidas, evacuações mais freqüentes quando as dores se instalam, distensão abdominal, presença de muco nas fezes e sensação de que a evacuação foi incompleta.

Muitas vezes, os portadores dessa sintomatologia só buscam ajuda após o uso crônico de laxantes, lavagens e tratamentos caseiros inúteis.

São aconselháveis, em todos os casos: hidratação adequada, atividade física, alimentar-se em intervalos regulares e usar o banheiro sempre no mesmo horário para tentar estabelecer um ritmo.

Evitar comidas picantes, muito salgadas, com excesso de condimentos ou conservantes, doces concentrados e alimentos que provocam flatulência (feijão, grão de bico, repolho etc.). É preciso cuidado com o leite: 60% a 70% daqueles com mais de 60 anos apresentam algum nível de intolerância à lactose.

O consumo de fibras deve ser estimulado em caso de obstipação, mas evitado se houver diarréia. As fibras solúveis, como as encontradas em polpas de frutas e alguns cereais, ajudam a formar e compactar o bolo fecal. As insolúveis, presentes na casca das frutas, em alguns cereais e em todas as verduras, não têm capacidade de compactá-lo e funcionam como laxantes.

Embora sempre úteis, essas medidas podem ser insuficientes para controlar os sintomas: boa parte dos pacientes necessita de tratamento medicamentoso.

Não vai longe o tempo em que a síndrome do intestino irritável era interpretada como simples distúrbio alimentar provocado pelo estresse, em pessoas neurastênicas. Hoje, sabemos que se trata de uma doença crônica resultante de alterações neuroquímicas que interferem no ritmo dos movimentos peristálticos. O tratamento exige cuidados dietéticos, orientação médica e até medicamentos de uso prolongado.
Dr. Drauzio Varella
Fonte:
JFSP 24nov07 E16
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Vovô

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Bem-vinda

Autor: Drauzio Varella

Sejam quais forem as raízes biológicas, o fato é que caímos de quatro diante dos netos

MINHA NETA acabou de nascer. Não é a primeira, tive outra há cinco anos; uma menina de bons modos e olhar atento que encanta a família inteira.

Curiosa a experiência de ser avô, perceber que a espiral da vida dá uma volta completa; a primeira que independe de nossa participação.

Sim, porque até o nascimento de um neto os acontecimentos biológicos de alguma forma dependeram de ações praticadas por nós: nossos filhos só existem porque os concebemos, os fatos que constituíram a história de nossas vidas apenas ocorreram porque estávamos por perto; mesmo nossos pais só se transformaram em figuras carregadas de significado porque nos deram à luz. Os netos, em oposição, vêm ao mundo como consequência de decisões alheias, nasceriam igualmente se já nos tivéssemos ido.

A ideia de nos tornarmos seres biologicamente descartáveis é incômoda, porque nos confronta com a transitoriedade da existência humana: viemos do nada e ao pó retornaremos, como rezam os ensinamentos antigos.

Por outro lado, liberta do compromisso de transmitirmos às gerações futuras os genes que herdamos das que nos precederam, força da natureza que reduz a essência da vida na Terra (e em qualquer planeta no qual ela porventura exista ou venha a existir) ao eterno crescei, competi e multiplicai-vos, como ensinaram Alfred Wallace e Charles Darwin.

A sensação de que nos livramos dessa incumbência biológica, entretanto, não nos torna imunes ao ensejo de proteger os filhos de nossos filhos como se fossem extensões de nós mesmos. Somos impelidos a fazê-lo não por senso de responsabilidade familiar ou por normas de procedimento ditadas por imposições sociais, mas por ímpetos instintivos irresistíveis.

Os biólogos evolucionistas afirmam que a seleção natural privilegiou nas crianças uma estratégia de sobrevivência imbatível: a beleza. Fossem feias e repugnantes, não aguentaríamos o trabalho que nos dão, porque cavalos e bezerros ensaiam os primeiros passos ao ser expulsos do útero materno, enquanto filhotes de primatas como nós são dependentes de cuidados intensivos por anos a fio.

Dizem eles, também, que o amor dos avós conferiu maior chance de sobrevivência aos bebês que tiveram a sorte de contar com ele, razão pela qual esse sentimento teria persistido em nossa espécie. Pelo mesmo motivo, explicam as vantagens evolutivas conferidas pela menopausa, fase em que a mulher já infértil reúne experiência e disponibilidade para ajudar os filhos a cuidar da prole.

Sejam quais forem as raízes biológicas, o fato é que caímos de quatro diante dos netos. Por mais voluntariosos, mal-educados, egoístas, temperamentais e pouco criativos que os outros os julguem, para nós serão lindos, espertos, de boa índole e, sobretudo, inteligentes como nenhuma outra criança.

Anos atrás, surpreendi um amigo ao telefone perguntando para o neto como fazia o boizinho do sítio em que o menino de dois anos se encontrava. A cada “buuuu” que ouvia, meu amigo ria de perder o fôlego. Diante do riso exagerado, perguntei como reagiria quando a criança relinchasse. Você verá quando for avô, respondeu.

Tinha razão. Os netos surgem em nossas vidas quando estamos mais maduros, menos preocupados em nos afirmar, mais seletivos afetivamente, desinteressados de pessoas que não demonstram interesse por nós, libertos da ditadura que o sexo nos impõe na adolescência e cientes de que não dispomos mais de uma vida inteira para corrigir erros cometidos, ilusão causadora de tantos desencontros no passado.

A aceitação de que não temos diante de nós todo o tempo do mundo cria o desejo de nos concentrarmos no essencial, em busca do máximo de felicidade que pudermos obter no futuro imediato. A inquietude da inexperiência e os desmandos causados por ela dão lugar à busca da serenidade.

Fase inigualável da vida, quando abandonamos compromissos sociais para brincar feito crianças com os netos, sem nos acharmos ridículos. Ajoelhar para que montem em nossas costas, virar monstros, onças ou dinossauros em obediência ao que lhes dita a imaginação aventureira, preparar-lhes o jantar que não comerão, assistir aos desenhos animados da TV, ler histórias na cama quando estão entregues, beijar-lhes o rosto macio, sentir-lhes o cheiro do cabelo e a respiração profunda ao cair no sono.
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3001201022.htm
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Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
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Beco sem saída

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Beco sem saída

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Na política, chegamos a níveis de imoralidade assumida incompatível com princípios éticos
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DRAUZIO VARELLA

NOS QUASE dez anos desta coluna, leitor, nunca escrevi sobre política. Adotei essa conduta por reconhecer que há profissionais mais preparados para fazê-lo e por considerar que médicos envolvidos em educação na área de saúde pública devem ficar distantes das paixões partidárias.

No entanto, os últimos acontecimentos de Brasília foram tão desconcertantes e chocaram a nação de tal forma, que ignorá-los seria omissão. No trato da administração pública, chegamos a níveis de desfaçatez e de imoralidade assumida incompatíveis com os princípios éticos mais elementares.

Para os que ganham a vida com o suor do próprio rosto, é revoltante tomar consciência de que parte dos impostos recolhidos ao comprar um quilo de feijão é esbanjada, malversada ou simplesmente desapropriada pela corja de aproveitadores instalada há décadas na cúpula da hierarquia do poder.

Mais chocante, ainda, é a certeza de que os crimes cometidos por eles e seus asseclas ficarão impunes, por mais graves que sejam. Do brasileiro iletrado ao mais culto, todos nós temos consciência de que o rigor de nossas leis pune apenas os mais fracos. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico parar na cadeia, diz o povo, com toda razão.

Uma noite, na antiga Casa de Detenção de São Paulo, ao fazer a distribuição de um gibi educativo sobre Aids, perguntei, à porta de um xadrez trancado, quantos estavam ali. Um rapaz de gorrinho de lã, curvado junto à pequena abertura da porta, respondeu que eram 17. Diante de minha surpresa por caberem tantos em espaço tão exíguo, começou a reclamar das condições em que viviam. Às tantas, apontou para a TV casualmente ligada no horário político, no fundo da cela, no qual discursava um candidato:

-Olha aí, senhor, dizem que esse homem levou 450 milhões de dólares. Se somar o que todos nós roubamos a vida inteira, os 7.000 presos da cadeia, não chega a 10% disso.

Essa realidade, que privilegia a impostura e perdoa antecipadamente os deslizes cometidos pelos que deveriam dar exemplo de patriotismo e de respeito às instituições, serve de pretexto para comportamentos predatórios (se eles se locupletam, por que não eu?), gera descrédito na democracia e, muito mais grave, a impressão distorcida de que todo político é mentiroso e ladrão.

Considerar que a classe inteira é formada por pessoas desonestas tem duas consequências trágicas: votar nos que “roubam, mas fazem” e afastar da política cidadãos que poderiam contribuir para o bem-estar da sociedade.

De que adianta documentar os crimes se os criminosos ficarão impunes e retornarão nas próximas eleições ungidos pela soberania do voto popular?

Como renovar a classe política num país em que quase dois terços da população não têm acesso à informação escrita, em que empresários financiam campanhas de indivíduos inescrupulosos, comprometidos apenas com os interesses de quem lhes deu dinheiro, e no qual as mulheres e os homens de bem se negam a disputar cargos eletivos, porque não querem ser confundidos com gente que não presta?

É evidente que os políticos brasileiros não são os únicos responsáveis pelo estado a que as coisas chegaram. Antes de tudo, porque muitos são honestos e bem-intencionados; depois, porque o clientelismo que os cerca é uma praga que nos aflige desde os tempos coloniais. Os que se aproximam dos políticos para pedir empregos públicos, nomeações para cargos estratégicos, favores em negócios com o governo ou para oferecer-lhes suborno, por acaso são mais dignos?

Esse é o beco sem saída em que nos encontramos: os partidos aceitam a candidatura de indivíduos desclassificados, os empresários financiam-lhes a campanha (muitas vezes com os assim chamados recursos não declaráveis), o eleitor vota neles porque “não faz diferença, já que todos são ladrões” ou porque podem conceder-lhe alguma vantagem pessoal, a Justiça não consegue nem sequer afastar do serviço público os que são flagrados com as mãos no cofre e, para completar a equação, as pessoas de bem querem distância da política.

A esperança está na prática da democracia. Se a Justiça não pune os que se apropriam dos bens públicos, a liberdade de imprensa é a arma que nos resta, a única que ainda os assusta.
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1508200926.htm
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Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
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A árvore da vida

A árvore da vida

É chegado o momento de construirmos a árvore da vida. Terminado o Projeto Genoma, esse será o grande projeto da biologia. Galho por galho, ramificação por ramificação, as espécies de animais, vegetais e microorganismos serão ordenadas pelo grau de parentesco e pela ordem de aparecimento na evolução.

Desde que Darwin e Wallace revolucionaram a biologia com a demonstração de que as espécies não haviam sido criadas por Deus num dia, como imaginava a ciência da época, houve várias tentativas de agrupar os seres vivos com base em critérios morfológicos como tamanho, número de células, esqueleto ósseo, disposição dos membros ou capacidade de mamar quando pequeno.

No final do século 19, Ernst Haechel propôs uma árvore genealógica que representasse o pedigree do homem. Na base do tronco, ficavam os chamados animais primitivos, categoria na qual incluía seres tão díspares como amebas e animais que põem ovos. Nos primeiros galhos, vinham esponjas, crustáceos, vermes, peixes, aves, répteis e anfíbios. Nos mais altos, estavam representados os mamíferos e, no topo deles, logo acima dos gorilas e orangotangos, aparecia o homem – “o experimento supremo da natureza”.

Tal visão antropocêntrica, que imaginava a evolução um mero mecanismo destinado a atingir o clímax com a criação do Homo sapiens, foi sepultada definitivamente pelos biólogos evolucionistas do século 20. Depois deles, ficou claro que a seleção natural é madrasta impiedosa, não está interessada na criação e muito menos na sobrevivência do homem ou de qualquer outra espécie. Para ela, temos a importância das Wolbachias que vivem no intestino dos carrapatos.

Nos últimos 20 anos, ganharam destaque científico os biólogos filogenéticos, interessados em caracterizar as relações existentes entre as diversas formas de vida a partir da avaliação da proximidade ou distância entre seus DNAs. Comparar a forma do corpo de seres diferentes e identificar semelhanças entre eles, o método clássico de classificação das espécies, passou a ser complementado pela comparação dos repertórios genéticos, a sintonia fina.

Não faz muito tempo, os anfíbios eram considerados descendentes dos dinossauros. Hoje sabemos que não o são, os pássaros e as aves modernas foram os únicos dinossauros que sobreviveram ao final catastrófico. Com as novas técnicas genéticas, muitas bactérias, plantas e animais têm mudado de ramo na árvore genealógica. Seres antes classificados como bactérias se transformam em fungos, saltando distâncias evolutivas maiores do que a existente entre nós e os mosquitos.
A tarefa de construção da nova árvore da vida é gigantesca. Embora existam um milhão e setecentas e cinqüenta mil espécies catalogadas, muitos cientistas calculam que esse número pode chegar a 30 milhões ou mais. Pior: das espécies já registradas, apenas 50 mil estão organizadas em pequenos galhos que ainda não foram postos lado a lado na árvore.

Com a força do argumento de que o número de análises filogenéticas tem dobrado a cada cinco anos e de que a finalidade de construir a árvore não é apenas alinhar espécie por espécie numa seqüência lógica, mas a de definir princípios abrangentes de organização das espécies, a Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos decidiu reunir os maiores especialistas da área para discutir os objetivos a serem atingidos. Impossível não comparar a iniciativa com as que precederam a criação do Projeto Genoma, em meados dos anos 1980.

Como no Genoma, o primeiro desafio será a criação da infra-estrutura de informática – a filoinformática – para processar os infinitos dados obtidos por meio do seqüenciamento automatizado dos genes presentes na incrível biodiversidade terrestre e aquática. A árvore custará caro, talvez mais até do que os US$ 3 bilhões projetados para o Projeto Genoma. Qual será o benefício social de investir recursos tão altos num projeto desse tipo?

A medicina tem utilizado os princípios de relações genéticas entre os microorganismos para explicar como alguns germes se tornam resistentes aos medicamentos, como proteínas produzidas por diferentes organismos podem ser úteis ao homem, ou o impacto que uma bactéria alienígena pode causar na flora intestinal ou numa população de indivíduos suscetíveis a ela.

A organização das espécies em uma árvore genealógica é fundamental porque aprofundará o conhecimento da biodiversidade a níveis jamais imaginados, permitirá fazer previsões que revolucionarão a medicina e a agropecuária e tornará possível a escolha das intervenções mais eficazes para a preservação da natureza.

Além disso, pode existir coisa mais fascinante do que decifrar os caminhos da vida na Terra?

Fonte:
http://drauziovarella.ig.com.br/artigos/arvorevida.asp
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Colaboração:
Diniz Aleixo de Moraes – São Paulo-SP
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