A verdade está lá fora

*

A verdade está lá fora

Conheça o Núcleo de Parapsicologia da UnB, onde disco voador e astrologia têm status de ciência

Sérgio Lima/Folha Imagem

Álvaro Luiz Tronconi, coordenador do grupo da UnB

RICARDO MIOTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Na pequena sala do professor Álvaro Luiz Tronconi, no prédio principal da Universidade de Brasília, misturam-se livros-texto suas duas especialidades: física da matéria condensada e percepção extrassensorial.

Doutor em física pela Universidade de Oxford, Reino Unido, Tronconi coordena um grupo de uma dezena de docentes que se reúnem para estudar fenômenos que supostamente existem, mas que estão fora do alcance da ciência “tradicional”.

Fundado em 1989, o Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais da UnB promove pesquisas e cursos em quatro áreas: astrologia, ufologia, conscienciologia (relacionada aos potenciais do cérebro humano) e terapias integrativas (propondo novas abordagens na medicina).

Um curso de percepção extrassensorial, por exemplo, envolvia “acessar o mundo extrafísico”. Um exercício ajudava a “ver assombração, acessar algo do passado, olhar algo do futuro”.

“PRECONCEITO”
Tronconi diz que o núcleo já passou por vacas magras e gordas, dependendo do reitor. “Na atual administração o pessoal é menos radical”, alegra-se o pesquisador.

Ele reclama de preconceito contra a área. Com frequência os comitês da UnB negam dinheiro para seu grupo. “Mas eles negaram sem julgar o mérito. Sempre falaram que era bobagem, que a UnB não podia permitir aquilo porque ia colocar a universidade em descrédito.”

Os órgãos de fomento federais também negam verba, fazendo com que o núcleo procure fundações estrangeiras interessadas na área.

Uma pena, diz. Esses conhecimentos poderiam ser úteis para a sociedade.
“Existe a astrologia médica, por exemplo. Aqui em Brasília você até encontra um ou outro médico que, quando você vai lá fazer o exame, ele pega seus dados e diz qual parte do seu corpo é mais vulnerável, o que pode ajudar no diagnóstico.”

Ele diz que sensitivos poderiam também ajudar a polícia. Suas opiniões não deveriam servir como palavra em tribunais, diz, mas eles deveriam fazer parte das equipes de investigações.

“Algumas pessoas dizem que é charlatanismo, que é feitiçaria, que é coisa de quem tem distúrbio mental”, diz. Mas, segundo ele, os alunos se interessam profundamente pelo assunto.

Entre as atividades de pesquisa recentes está a busca pela compreensão dos episódios de supostos aparecimentos de extraterrestres na Terra. Uma outra pesquisa tenta mostrar que sensitivos podem dar diagnósticos precisos da doença de alguém.

PERSISTÊNCIA
O último trabalho de Tronconi envolveu seis levar deles para o hospital da UnB para adivinhar o que os pacientes tinham. A conclusão foi que os sensitivos não conseguiam acertar mais do que um computador chutando doenças aleatórias.

Isso não é motivo para desistir das pesquisas, porém, diz Tronconi.

“Quando há um grande médium, um paranormal, a gente vê que ele é capaz de realizar certos fenômenos”, diz. “Mas chega uma hora que ele está cansado ou estressado e vai fazer uma demonstração. Então percebe que não vai dar conta e arruma um jeito de fazer usando um truque. Isso pode acabar com toda a reputação dele.”
*
JFSP30MAI2010A22
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe3005201002.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Inclusão Digital

*

O plano, a banda e a inclusão digital

Silvio Meira

A ineficiência de operadoras fixas no provimento de acesso em banda larga é a mãe do PNBL.

NOS ÚLTIMOS dez anos, regredimos mais de 20 posições nos índices de quantidade e qualidade da infraestrutura digital. Não que o Brasil estivesse indo para trás de forma acelerada: no período, o país viu uma quase universalização dos celulares, um bom aumento da proporção de residências com PCs e a conexão de um bom número de casas à rede.

O que a década de queda -do 38º para o 59º lugar no Network Readiness Index do World Economic Forum, por exemplo- quer dizer é que outros países se moveram muito mais rápido. E isso é um problema, agora e no futuro próximo, primeiro porque muitos deles são nossos competidores, mas também, e mais gravemente, porque o mundo conectado vive, intensamente, a sociedade e a economia da informação e do conhecimento. Estar fora da rede, hoje, é como estar fora do mundo.

E o Brasil perdeu tempo. Muito tempo. Desde os primórdios da internet por aqui, havia planos de universalização do acesso. Sabia-se desde o princípio que a rede iria mudar o mundo e se tornar mais uma de suas infraestruturas básicas, uma “utility” tão essencial como eletricidade, água e esgoto.

O conceito -hoje universal- de tratar telefonia e telefones como apenas mais uma aplicação sobre uma infraestrutura (servidores, roteadores, satélites…) e serviços (os protocolos da rede) padrão da internet tem quase década e meia.
Ou seja, faz tempo que se sabia e se dizia, aos quatro ventos, que tudo o que era comunicação ia convergir, mais cedo ou mais tarde, para a internet. Por que, então, ainda estamos no estágio de penetração e uso de banda larga relatado no “Comunicado 46” do Ipea (ouça um debate sobre esta assunto no link http://bit.ly/a3lIHV)?

A razão fundamental é que o Brasil não teve, na última década e meia, políticas públicas que cuidassem de conectar o país na quantidade e na qualidade que precisamos.

Banda larga não chega nem à metade dos municípios e só existe em cerca de 21% dos lares.

Como se não bastasse, mais de 54% das nossas conexões “de banda larga” têm velocidades nominais abaixo de um megabit por segundo, o que significa que vídeo pela rede, por aqui, é coisa rara. E de má qualidade. O que torna muito difícil educação, saúde e negócios pela rede, entre outras tantas coisas que existem e são usadas, como fato consumado, mundo afora.

Sem falar que, mesmo para o uso comum da rede, mesmo para o que “dá para fazer” com a rede que se tem, o preço do megabit por segundo brasileiro é estratosférico: aqui, como porcentagem da renda familiar, banda larga custa dez vezes mais do que nos países mais conectados. Depois de quase 15 anos de privatização do setor, o “mercado”, ou seja, o que temos de políticas públicas, regulação, reguladores e empresas, simplesmente não fez o que deveria ter feito.

Resultado? Voltamos quase a um ponto de partida e decretamos um Plano Nacional de Banda Larga, cuja gestação tem que ser debitada ao cenário descrito acima. A ineficiência das operadoras fixas no provimento de acesso em banda larga em quantidade, qualidade e preço acessível é a mãe do PNBL (ouça um debate em http://bit.ly/bPHa26). Poderiam ter feito -e exigido- muito mais. Não o fizeram. Deu no que deu.

Um PNBL bem executado pode se tornar uma intervenção estatal de qualidade nos negócios de conectividade, e não necessariamente uma nova infraestrutura de serviços de rede necessária para tal.

Até porque o PNBL parece um novo “plano de integração nacional” e seu papel pode ser muito parecido ao das estradas e TVs no passado, ao trazer para a rede mais da metade dos municípios e 70%, 80% das casas.

Muita gente reclama e desconfia do plano, quase como se fosse uma reestatização do setor de telecom.

Mas telecom, a das antigas companhias de telefonia, não existe mais, transformou-se em conectividade, fixa e móvel. E é significativo que o PNBL não trate de mobilidade, e sim de conectividade fixa, onde o mercado, simplesmente, falhou.

SILVIO MEIRA , 55, fundador do www.portodigital.org e cientista-chefe do www.cesar.org.br.
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2705201025.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Ciência, ética e escolhas

*

Ciência, ética e escolhas

Na nossa profissão, devemos seguir uma regra básica: “Nunca minta”

Na semana passada, tive o prazer de ciceronear a escritora e filósofa Rebecca Newberger Goldstein, que veio à Dartmouth dar uma palestra sobre seu último livro, o romance “36 Argumentos para a Existência de Deus, Uma Obra de Ficção”.

Goldstein é famosa pela sua habilidade de tratar de assuntos cabeludos de filosofia e ciência dentro da narrativa ficcional de um romance.

O livro é excepcional em vários níveis. Seu estilo é brilhante e extremamente engraçado, uma descrição contagiante e sincera do mundo acadêmico, da busca pela glória, da inevitável inveja profissional, da competição entre as escolas e da vaidade intelectual que tanto colore as discussões em tópicos que vão desde a mitologia grega à existência do Multiverso (ou seja, de infinitos universos).

Como o título informa, o livro trata também da questão da existência de Deus. Mas, para nós aqui nesta coluna, ao menos no contexto do tema de hoje, que é a ética, o livro é principalmente sobre escolhas.

Somos produto das escolhas que fazemos ao longo da vida. É bem verdade que, às vezes, as escolhas são feitas à nossa revelia. Por exemplo, quando falha a saúde, ou devido a pressões econômicas.

Por falta de emprego, um pacifista com um doutorado em física pode se ver forçado a trabalhar na indústria armamentista. Por outro lado, pode fazê-lo por opção, por ser um patriota.

Como Goldstein sugeriu, temos um cerne pessoal (estou criando esse termo) que funciona de forma bem específica.

Podemos até deduzir as posições que um conservador ou um liberal tomarão numa variedade de questões, desde a liberação da maconha até a regulação das práticas do mercado de capitais. A correlação das escolhas é bem forte, produto desse cerne pessoal, que “guia” nossas decisões.

Será que a ética é parte desse cerne pessoal? Especulo que sim. Algumas pessoas têm padrões éticos mais elevados do que outras. Não há dúvida de que esses padrões podem ser influenciados por eventos na vida, pela educação, por relações etc. Mas alguns casos são mais flexíveis do que outros.

E os cientistas? São menos dados a cometer fraudes do que outros profissionais? Na nossa profissão, devemos obedecer a uma regra ética básica: “Nunca minta”.
De fato, mentir em ciência é uma péssima ideia. Mais cedo ou mais tarde, a comunidade exporá a sua fraude e sua carreira estará arruinada. É bem simples, na verdade: a natureza não tolera trapaças.

Quem lembra, por exemplo, da história da fusão a frio? (Veja pt.wikipedia.org/wiki/Fusao-a-frio) Inocentemente, gostaria de acreditar que essa regra do não mentir deveria valer para todas as profissões.

No entanto, é o contexto que determina a aplicação de princípios éticos. Mesmo que você se considere um indivíduo extremamente ético, pode sofrer terríveis pressões para contrariar suas próprias regras.

É fácil pensar em exemplos, desde os mais dramáticos (os alemães que “tinham” de se juntar aos nazistas) aos mais amenos (o estudante que cola na prova do vestibular). A moralidade de um pessoa pode ser medida pela resistência que oferece a essas pressões, permanecendo fiel aos seus princípios éticos. Trapacear é construir a sua própria prisão.

Se ser livre é poder escolher ao que se prender, gostaria de acreditar que, quanto mais seguimos princípios morais elevados, mais livres somos.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro “Criação Imperfeita”
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0205201003.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Sucesso do Além

*

Sucesso do Além

JFSP26ABR2010E1
FERNANDA MENA
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O fenômeno de bilheteria do filme “Chico Xavier” e a onda de produções ligadas ao espiritismo, que têm marcado 2010, estão ajudando espíritas brasileiros a “saírem do armário”.

“O discurso de reconhecimento da doutrina e de figuras centrais do espiritismo vai ajudar muita gente a assumir que é espírita”, avalia Célia Arribas, socióloga e pesquisadora da USP, autora do livro “Afinal, Espiritismo É Religião?” (Alameda Editorial), com lançamento previsto para maio. “Usando uma linguagem figurativa, é possível dizer que eles vão sair do armário.”

Para Geraldo Campetti, diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB), a difusão da doutrina realizada pelo filme, já visto por mais de 2 milhões de brasileiros, é um marco. “O espiritismo era um, antes de 2010, e será outro, após o final deste ano”, analisa.

“Esse impacto fica visível na crescente demanda por informações que, desde a estreia do filme, tem ocorrido nos centros espíritas de todo o país.”

Junte-se ao sucesso do filme a novela “Escrito nas Estrelas”, da TV Globo, que teve audiência média, nas duas primeiras semanas, superior à de suas antecessoras no horário. Na trama, o protagonista morre e segue o enredo como espírito.

Além disso, até o final do ano, devem ser lançadas uma minissérie na Globo e três filmes em que a vida após a morte ou a mediunidade tem papel principal. Entre eles, chega aos cinemas em setembro o filme “Nosso Lar”, baseado em livro homônimo de Chico Xavier, que já vendeu cerca de 2 milhões de exemplares desde sua primeira edição, em 1944.

Ser ou não ser

O sucesso de obras de temática espírita, no entanto, não pode ser explicado apenas com dados de pesquisas demográficas, que apontam existir no país cerca de 4 milhões de espíritas declarados.

Segundo estimativa da FEB, somados praticantes e simpatizantes, esse número deve chegar a 23 milhões de brasileiros.
Isso porque espiritismo não é uma religião proselitista. Logo, frequentar um centro espírita é diferente de ser espírita.
“Vou a um centro, mas também sou judia”, diz Sandra Becher, 30, na saída de uma sessão do filme de Daniel Filho.

Hoje, há cerca de 12 mil centros espíritas no país -número que dobrou na última década.

Ainda assim, Luís Eduardo Girão, 38, produtor associado de “Chico Xavier”, conta que o filme enfrentou dificuldades de financiamento “porque ainda existe a discriminação”.

Herança dos tempos em que praticar espiritismo era crime, como rezava o primeiro Código Penal do Brasil República, de 1890 -cujos efeitos práticos se estenderam até 1945.

A saída encontrada pela elite brasileira, que traduziu a obra de Allan Kardec do francês para o português, foi a produção de uma literatura que introduzisse princípios espíritas numa linguagem romanceada, de maior penetração. Afinal, quem é que não quer saber como é a vida após a morte?

Foi a popularização da chamada literatura espírita, estandarte das listas de mais vendidos, que abriu caminho para a boa performance do espiritismo no cinema e na TV.

“Este é um mercado que se tornou promissor economicamente”, explica Sandra Stoll, autora do livro “Espiritismo à Brasileira” (Edusp). “As produções cinematográficas têm apenas capitalizado um público simpatizante e predisposto, que é enorme.”
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2604201007.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Filme Chico Xavier

*

Filme Chico Xavier

Filme lota sessões e é visto por mais de 200 mil pessoas na sexta-feira

FERNANDA EZABELLA
DA REPORTAGEM LOCAL

Entre 230 mil e 250 mil pessoas assistiram ao filme “Chico Xavier” no dia de sua estreia, na sexta-feira passada, indicaram dados preliminares da distribuidora Dowtown, informou o diretor da empresa, Bruno Wainer.

“Sendo conservador, a expectativa agora é de que o filme faça de 500 a 600 mil nos três primeiros dias em cartaz”, disse Wainer à Folha no sábado. “Com certeza ficará pelo menos entre as três melhores aberturas do cinema brasileiro da retomada.”
Para ter uma ideia de comparação, o blockbuster “Se Eu Fosse Você 2” (2009), maior bilheteria do cinema nacional desde 1995, foi visto por cerca de 570 mil espectadores em seus três primeiros dias em cartaz. Já “Lula, o Filho do Brasil” (2010) fez 220 mil no fim de semana de estreia, e “Avatar” (2009) registrou mais de 800 mil.
A cinebiografia do médium é exibida em 377 telas do país. A reportagem da Folha passou por quatro cinemas de São Paulo, na noite de sexta, feriado e centenário de nascimento de Chico -todos tinham sessões esgotadas.

“A última vez que vi lotar assim foi com “Avatar'”, disse a gerente Kátia Sousa, do Cinemark do Shopping D. Até as 21h, todas as sete sessões de “Chico Xavier”, em duas salas, tinham esgotado. A outra única sessão do dia que encheu foi de “A Caixa”.
No Frei Caneca Unibanco Arteplex 2 e no Cine Marabá, a mesma situação. “Sou católica e espírita, gostamos do Chico”, disse a telefonista Cacilda Dias, 63, que ficou sem ingresso no Marabá. A última vez que ela esteve no cinema foi para ver “2 Filhos de Francisco” (2005). O estudante Jaime Almeida, 30, teve mais sorte. “Chico prega o amor, não fala só de religião”, disse ele, que não tem religião e cujos pais são católicos, e as irmãs, evangélicas.

No Bristol, apenas duas sessões de “Chico” esgotaram, assim como uma de “Ilha do Medo”. Dentro da sala, o falatório dos espectadores parou e virou soluço numa das cenas mais fortes, que envolve a mãe que perdeu o filho. No final, outro “milagre” de Chico: o público espera em silêncio o fim dos créditos, que mostram também Chico falando num programa de TV de 1971.
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0504201010.htm
*

Alfabetização

*

Em defesa do direito de ser alfabetizado

NEUROCIÊNCIA
Suzana Herculano-Houzel

[…]
NÃO É POSSÍVEL AFIRMAR QUANDOO CÉREBRO ESTÁ PRONTO PARA APRENDER A LER

A leitura é uma habilidade inventada pelo cérebro humano. Inventada mesmo: se a capacidade para expressar ideias em sons e gestos é inata (ainda que tenha que ser desenvolvida), a codificação dessas ideias em rabiscos arbitrários -as letras- e a decodificação de grupos desses rabiscos em sons e ideias é algo que nossos antepassados começaram a fazer 5.000 ou 10 mil anos atrás.

Conseguimos ler e escrever graças às conexões entre as áreas do cérebro responsáveis respectivamente pela identificação de símbolos visuais, pela identificação de sons, pela representação de conceitos e pela produção dos movimentos da boca associados a cada palavra.

A leitura só se torna possível quando tudo isso funciona em conjunto, permitindo que os símbolos vistos no papel encontrem no cérebro sons e significados associados a eles. A escrita, por sua vez, requer, além disso, coordenação sensoriomotora suficiente para não apenas identificar os rabiscos associados aos sons mas produzi-los ativamente de memória.

Quando tudo isso acontece? Em algum momento da infância -conforme as conexões na substância branca entre as áreas envolvidas, espalhadas nos lobos temporal, parietal e frontal, amadurecem, ganhando uma capa de mielina que torna a troca de sinais entre essas áreas mais rápida e fidedigna.

Quanto mais intensa é a mielinização, melhor tende a ser a capacidade de leitura do indivíduo. Mas não é possível precisar uma idade em que o cérebro “fique pronto” para aprender a ler: o amadurecimento da substância branca é um processo sujeito a algumas variáveis.

Se algumas crianças de fato só terão a interconectividade necessária à alfabetização madura o suficiente aos seis ou sete anos de idade, outras podem tê-la madura o suficiente já aos cinco ou quatro anos e aprender a ler sem problemas.

Esse é o consenso na neurociência: se cada criança tem seu tempo, não há uma idade mágica para começar a alfabetização. Mas o MEC aparentemente discorda e quer decidir, para fins de “alinhamento entre os sistemas”, que crianças abaixo de seis anos completos até 31 de março não só não devem ser alfabetizadas como não têm direito a entrar no ensino fundamental mesmo que já alfabetizadas e maduras, sociáveis e interessadas em ir à escola. Querem colocar o cérebro em uma forma e ignorar a diversidade em nome da burocracia.

Eu protesto!

SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de “Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor” (ed. Sextante) e do blog:
www.suzanaherculanohouzel.com
suzanahh@gmail.com
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0104201009.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

A Partícula de Deus

*

Maior máquina do mundo,
LHC começa hoje a produzir ciência

Choques de prótons em mega-acelerador poderão revelar a “partícula de Deus”

RAFAEL GARCIA
EM GENEBRA
JFSP 30MAR2010A16

O mega-acelerador de partículas LHC faria na madrugada de hoje as primeiras tentativas de colisões capazes de produzir ciência efetivamente inovadora. O experimento, que ganhou o apelido de “máquina do Big Bang”, poderá então tentar detectar o bóson de Higgs, a partícula que confere massa às outras, segundo a teoria.

Tecnicamente, o acelerador está funcionando desde novembro, mas só agora as colisões entre prótons que são produzidas em seu túnel circular de 27 km chegam à energia de 7 TeV (teraelétron-volts), necessária às detecções.
A violência dos choques entre essas partículas, porém, ainda é metade daquela prevista para o projeto. Quando o LHC estiver pronto para colidir seus feixes de prótons a 14 TeV, será como como produzir um choque frontal de dois trens-bala num túnel mais estreito que um fio de cabelo. Isso só deve acontecer em 2012.

A agenda de experimentos foi mudada depois de um acidente em setembro de 2008. Uma sobrecarga de energia danificou vários dos ímãs supercondutores responsáveis por acelerar as partículas.

Depois de ficar no conserto por mais de um ano, o LHC vai rodar sua primeira etapa de experimentos colidindo prótons a 3,5 TeV. Físicos na sede do Cern (Organização Europeia de Física Nuclear), na fronteira da Suíça com a França, estão ansiosos para o início do trabalho.

“Temos tido já, de vez em quando, algumas colisões a 7 TeV, mas creio que não 100% estáveis”, disse à Folha Denis Damázio, brasileiro que trabalha no Atlas, um dos grandes detectores do LHC. Segundo ele, os experimentos que vinham sendo feitos até a semana passada usavam apenas um “bunch” -um pequeno “vagão”, quando se compara o feixe de prótons a um trem.
Tanto o Atlas quanto os outros grandes detectores -o CMS, Alice e o LHCb- trabalham de forma independente entre si. Quase todos eles já inauguraram sua produção científica. Os artigos publicados, porém, ainda tratam mais de aspectos técnicos, como calibração das máquinas.

Quando o feixe de prótons completo estiver circulando hoje, porém, os cientistas esperam que o Cern cumpra sua promessa de “abrir a maior janela para potenciais descobertas na física de partículas em uma década”. Mesmo 7 TeV já são mais que o triplo da energia produzida pelo acelerador americano Tevatron, o melhor até o ano passado. Cientistas calculam que isso é mais do que suficiente para que de algumas colisões finalmente apareça o bóson de Higgs -a “partícula de Deus”, apelido que desagrada a muitos físicos.
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe3003201004.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Não acredito em Deus

*

Sobre a crença e a ciência

Respeito os que creem.
A ciência não tem agenda contra a religião

A pergunta que mais me fazem quando dou palestras, ou mesmo quando me mandam e-mails, é se acredito em Deus. Quando respondo que não acredito, vejo um ar de confusão, às vezes até de medo, no rosto da pessoa: “Mas como o senhor consegue dormir à noite?”.

Não há nada de estranho em perguntar a um cientista sobre suas crenças. Afinal, ao seguirmos a velha rixa entre a ciência e a religião, vemos que, à medida em que a ciência foi progredindo, foi também ameaçando a presença de Deus no mundo. Mesmo o grande Newton via um papel essencial para Deus na natureza: Ele interferia para manter o cosmo em xeque, de modo que os planetas não desenvolvessem instabilidades e acabassem todos amontoados no centro, junto ao Sol. Porém, logo ficou claro que esse Deus era desnecessário, que a natureza podia cuidar de si mesma. O Deus que interferia no mundo transformou-se no Deus criador: após criar o mundo, deixou-o à mercê de suas leis.

Mas, nesse caso, o que seria de Deus? Se essa tendência continuasse, a ciência tornaria Deus desnecessário?

Foi dessa tensão que surgiu a crença de que a agenda da ciência é roubar Deus das pessoas. Um número espantoso de pessoas acha mesmo que esse é o objetivo dos cientistas, acabar com a crença de todo mundo. Os livros de Richard Dawkins e outros cientistas ateus militantes, que acusam os que creem de viverem num estado de delírio permanente, não ajudam em nada a situação. Mas será isso mesmo o que a ciência pretende? Será que esses fundamentalistas ateus falam por todos os cientistas?

De modo algum. Eu conheço muitos cientistas religiosos, que não veem qualquer conflito entre a sua ciência e a sua crença. Para eles, quanto mais entendem o Universo, mais admiram a obra do seu Deus. (São vários.) Mesmo que essa não seja a minha posição, respeito os que creem. A ciência não tem uma agenda contra a religião. Ela se propõe simplesmente a interpretar a natureza, expandindo nosso conhecimento do mundo natural. Sua missão é aliviar o sofrimento humano, aumentando o conforto das pessoas, desenvolvendo técnicas de produção avançadas, ajudando no combate às doenças. O “resto”, a bagagem humana que acompanha e inspira o conhecimento (e que às vezes o atravanca), não vem da ciência como corpo de saber, mas dos homens e das mulheres que se dedicam ao seu estudo.

É óbvio que, como já afirmava Einstein, crer num Deus que interfere nos afazeres humanos é incompatível com a visão da ciência de que a natureza procede de acordo com leis que, bem ou mal, podemos compreender. O problema se torna sério quando a religião se propõe a explicar fenômenos naturais; dizer que o mundo tem menos de 7.000 anos ou que somos descendentes diretos de Adão e Eva, que, por sua vez, foram criados por Deus, é equivalente a viver no século 16 ou antes disso. A insistência em negar os avanços e as descobertas da ciência é, francamente, inaceitável. Por exemplo, um número enorme de pessoas se recusa a aceitar que o homem pousou na Lua. Quando ouço isso, fico horrorizado. Esse feito, como tantos outros, deveria ser celebrado como um dos marcos da civilização, motivo de orgulho para todos nós.

Podemos dizer que existem dois tipos de pessoa: os naturalistas e os sobrenaturalistas. Os sobrenaturalistas veem forças ocultas por trás dos afazeres dos homens, vivendo escravizados por medos apocalípticos e crenças inexplicáveis. Os naturalistas aceitam que nunca teremos todas as respostas.

Mas, em vez de temer o desconhecido, abraçam essa ignorância como um desafio e não uma prisão. É por isso que eu durmo bem à noite.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro “Criação Imperfeita”
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2803201003.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Chico Xavier – filme

*

Filme busca os não espíritas

Na opinião de produtores, filão de filmes ligados ao sobrenatural nunca foi bem explorado no país

Dificuldades na escolha do diretor e na conclusão do roteiro fizeram com que “Chico Xavier” levasse seis anos para chegar às telas

DA REPORTAGEM LOCAL – Folha de São Paulo

Os produtores de “Chico Xavier” repetem, feito mantra, que não fizeram um filme espírita. “Tomei cuidado para que não fosse doutrinário”, diz o diretor Daniel Filho. “O filme, antes de qualquer denominação que possa segmentá-lo, é uma cinebiografia de uma das personalidades mais conhecidas e queridas dos brasileiros. Foi feito para ser visto por todos que gostam de uma belíssima história de vida”, emenda Carlos Eduardo Rodrigues, diretor da GloboFilmes. Daniel Filho diz, inclusive, que buscou colocar no roteiro todas as perguntas que ele próprio, não espírita, faz a si.

Mas, intenções à parte, “Chico Xavier”, construído sob uma atmosfera de fé e marcado pela adesão emocional ao personagem, é um filme que requer, do espectador, um pacto que passa pela crença. Das cartas enviadas pelos desencarnados – a palavra morte não é utilizada – às aparições do espírito do médico Bezerra de Menezes são muitas as cenas retocadas pelo sobrenatural.

Os fios da história são puxados a partir da entrevista que Xavier, morto em 2002, aos 92 anos, concedeu ao programa “Pinga Fogo”, da TV Tupi. O vaivém no tempo abarca três fases: infância (Matheus Costa), início da vida adulta (Ângelo Antônio) e maturidade (Nelson Xavier).

Esse projeto era acalentado desde 2004, quando o distribuidor Bruno Wainer comprou os direitos da biografia “As Vidas de Chico Xavier”, de Marcel Souto Maior. Conseguiu, rapidamente, a adesão da GloboFilmes e da Sony. Mas faltava ao filme uma alma. Ou duas: roteiro e diretor. “Por divergências de visão, não chegávamos a um acordo sobre o diretor”, conta Wainer. Nome vai, nome vem, chegou-se a Daniel Filho, até então apenas produtor. Com essa solução teve início outro problema: o roteiro. Foram tantas as versões que até um thriller surgiu.

“Tentei fazer com que tivesse o tom do livro. O filme tem o ponto de vista do Chico, quando ele conta o que apenas ele via, ouvia e sentia”, diz Filho. É esse ponto de vista que, esperam os produtores, pode garantir ao filme um público mais amplo. “O filme do padre Marcelo [“Maria, Mãe do Filho de Deus”] tinha um aspecto doutrinário. “Chico” não tem”, compara Braga, da Sony.

O interesse da distribuidora hollywoodiana no projeto é, digamos, anterior ao próprio projeto. “Os livros religiosos são tão bem vendidos que sempre me perguntei por que não viravam filme.”

A prova de que esse filão adormecido tinha potencial veio com “Bezerra de Menezes” que, lançado sem alarde, fez quase 500 mil espectadores. Mas será que quem rejeita o espiritismo verá “Chico Xavier”? “Não sei”, responde Braga. O executivo assinala, no entanto, que filmes “sobrenaturais” costumam fazer sucesso no Brasil. “Filmes como “Ghost” e “O Sexto Sentido” fizeram especial sucesso aqui.”

Atrás do público que, mais do que ao cinema, costuma ir à barraquinha do camelô, o filme não só terá sessões especiais em Uberaba (MG), onde fica o museu Chico Xavier, e Pedro Leopoldo (MG) sua cidade natal, como aproveitará as frestas abertas pelo centenário do personagem. Só a GloboNews tem quatro programas sobre Xavier previstos para março. É o mais famoso médium brasileiro chegando à era da “convergência”.
(ANA PAULA SOUSA)
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2602201009.htm
*

Falar com os mortos

*

Falar com os “mortos”, coisa de maluco?

VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA (Folha de São Paulo)

Há cerca de 14 anos, quando fui convidado para dirigir a sucursal de Brasília da Folha, o diretor de redação, Otavio Frias Filho, marcou um almoço comigo para falar sobre a função. No meio do encontro, ele me surpreendeu quando mudou o rumo da conversa e pediu que eu falasse um pouco sobre minhas crenças.

Minha reação imediata foi: “Será que devo falar sobre isso? Você vai achar que colocou um maluco na direção do jornal em Brasília”. Como recebi estímulo para seguir, só falamos de espiritismo dali em diante.

Hoje, ao lembrar daquele episódio, vejo que eu mesmo tinha um certo receio em falar que era espírita. Exatamente por saber que, no meu meio, muitos me achavam maluco ao falar sobre comunicação com os “mortos”.

Otavio não só me estimulou como, ao final da conversa, não me classificou de “louco” por ser espírita, religião que hoje é muito mais aceita dentro da sociedade brasileira e começa a crescer, estando presente nas diversas classes sociais.

Uma religião que seus adeptos preferem classificar de doutrina cristã, fundada na fé raciocinada e que prega a caridade como principal caminho para a evolução espiritual.

Uma religião aberta, que costuma ter entre seus seguidores católicos que assistem à missa pela manhã e participam de reuniões espíritas à noite.

Se já foi considerada “coisa do demônio”, como dizia minha mãe, ou “crença de malucos”, o espiritismo vive um momento de expansão e divulgação, numa época de terreno fértil diante de novas teorias sobre o fim do mundo.

Chico Xavier dizia que “embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”.

Se só essa mensagem ficar na mente dos que virem o filme, já terá valido a pena. Ela vale para qualquer um. Tanto para os que creem que a vida é única e tem um fim -seja a deles ou a da terra. Como para os malucos que falam com os “mortos”.
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2602201011.htm
*

Espiritismo

*

O grande negócios dos espíritos

Centenário de nascimento de Chico Xavier, em 2 de abril, motiva onda de filmes sobre tema

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

No mercado livreiro brasileiro, fez-se o milagre da multiplicação. De acordo com a última pesquisa publicada pela CBL (Câmara Brasileira do Livro), o segmento de títulos religiosos, estimado em 50 milhões de exemplares anuais, é, em faturamento, o que mais cresce no país. Nos primeiros lugares dessa fila estão obras espíritas.

No cinema nacional, o santo é outro. Mas o milagre é o mesmo. Daniel Filho, em 2009, vendeu 5,6 milhões de ingressos com “Se Eu Fosse Você 2”, que só perde em rentabilidade para a avalanche “Titanic”.

E eis que os números da fé e do cinema se cruzam. Chico Xavier, o líder espiritual que psicografou mais de 400 livros e, se medido pela régua do mercado, poderia ser considerado autor best-seller, tornou-se filme pelas mãos de Daniel Filho.

Guardado a sete chaves até aqui, “Chico Xavier” dá início a sua jornada rumo ao público empurrado pela máquina da GloboFilmes e da Sony Pictures. A campanha começou na TV e, a partir da semana que vem, ocupará cinemas, outdoors, ônibus etc.

O filme chegará a mais de 300 salas numa data que nada tem de “mera coincidência”: 2 de abril, centenário de nascimento de Xavier e Sexta-feira da Paixão. E não é só.

Outros seis filmes espíritas estão a caminho.
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2602201008.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Crianças Brasileiras

*

Números escondem vidas

LYGIA DE SOUSA VIÉGAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os dados recentes da educação brasileira atualizam uma discussão que povoa o mundo escolar: a reprovação no primeiro ano do ensino fundamental. O número agora apresentado, se analisado apenas sob o ponto de vista estatístico, parece pouco: a cada cem crianças, quatro são reprovadas. No entanto, devemos lembrar que os números escondem muitas vidas, pedindo reflexão.

Os caminhos são vários. Sem pretender esgotar o assunto, sinalizo dois extremos. De um lado, o mais óbvio, e que revela um traço da cultura escolar em nossa sociedade: a suposição de que “é normal que alguns alunos fiquem para trás”, cuja consequência no dia a dia é reforçar preconceitos em torno de alunos, que são, por vezes de maneira precoce, tratados como “aqueles que não têm condição de aprender”.

Com isso, a reprovação é vista como responsabilidade apenas desses alunos, que “não têm competência intelectual”.

Tratados como incapazes, eles aprendem na escola que lá não é lugar para eles. No futuro, muitos dirão “abandonei a escola”, sem se dar conta de que foi a escola que os abandonou.

A estrutura (que acompanha a história da educação brasileira há décadas quase de forma intocada) foi um dos motes para a implantação do ensino fundamental de nove anos, que veio acompanhada da promessa de alfabetizar todas as crianças antes dos sete anos, direito que faltava aos mais pobres e que, se supunha, os fazia reprovar logo ao entrar na escola.

No outro extremo, um “novo” aspecto deve compor a leitura desse índice, apontado por alguns como pequeno: diversos Estados e municípios implantaram políticas que proíbem a reprovação, produzindo como efeito que um número significativo de crianças passa de ano sem de fato aprender.

Basta olhar com atenção para notar que menos da metade dos municípios brasileiros registrou reprovações no primeiro ano. Assim, os alunos concluem o ensino fundamental e melhoram a estatística brasileira.

Pelos números, parece um bom resultado, mas o fato é que, mesmo dentro das escolas, eles permanecem excluídos e abandonados ao próprio azar.

Esses dois extremos da situação apontam para um aspecto comum: o descompromisso político com a melhoria da escola, sobretudo quando voltada para a população mais pobre. Saibamos: em termos de educação, os números não revelam a realidade! O fato é que ainda temos muito que avançar.

LYGIA VIÉGAS é mestre e doutora em psicologia escolar pelo Instituto de Psicologia da USP. Atualmente, coordena o curso de Psicologia da Faculdade São Bento da Bahia.
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2302201009.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Eutanásia

*

Matadouros

Empresa suíça que oferece suicídio assistido choca pela natureza industrial

SOU contra a pena de morte. Não interessa se a pessoa a merece. Ou se a solicita. Matar é matar. Excluindo casos de autodefesa, que não entram na categoria, penas capitais são homicídios voluntários.

Ludwig Minelli discorda. Quem é Minelli? Segundo a última edição da revista americana “The Atlantic”, que dedica ao homem artigo notável e arrepiante, é fundador da polêmica Dignitas, empresa suíça que permite uma morte eficaz a quem não tem uma vida plena. Ou, no mínimo, perspectivas de uma vida plena.

Até o momento, foram mil os clientes da Dignitas que entraram pelo próprio pé e saíram entre quatro tábuas, ou reduzidas a uma urna de cinzas. Existem 6.000 na lista para limpeza futura. E o sonho de Minelli, se “sonho” é a palavra certa para aspiração tão macabra, é poder um dia aplicar o tratamento a qualquer pessoa que o deseje, doente ou não. Nas palavras de Minelli, o suicídio é “o último direito humano”.

Verdade que a Suíça não está isolada na lista dos países onde o suicídio assistido é legal. Na Holanda, na Bélgica, no Luxemburgo e em certos Estados americanos, como em Wa- shington ou Montana, doentes terminais podem apressar o fim. Mas a Suíça é mais “liberal” na prática; e a Dignitas é o símbolo dessa liberalidade, aceitando clientes de todo o mundo que viajam para Zurique em busca de uma saída. “Turismo suicida”, eis o nome do fluxo. Que nome.

O artigo não tece nenhum julgamento sobre as práticas de Minelli. A lei permite. Cumpra-se a lei. Mas, lendo as descrições do negócio, é difícil não sentir um arrepio de horror pela espinha abaixo.

O horror começa na natureza “industrial” das matanças. O cliente chega. É instalado em quarto da empresa. No dia combinado, e na hora estabelecida, é levado para uma divisão apropriada, onde recebe uma mistura química que vai neutralizando os seus sinais vitais.

Finalmente morto, o corpo é removido. Conta Minelli que, antes da Dignitas ter instalações mais apropriadas, longe da vista comum, o cortejo de corpos provocava indignação entre as vizinhanças burguesas. Imagino.

Depois de removidos, os corpos são levados para os fornos crematórios. Onde eu já ouvi isso? Aliás, as ressonâncias do cenário não ficam pelos fornos. Também se aplicam ao método. Na Suíça, existem quatro grandes empresas que operam no negócio da morte. E todas elas usam pentobarbital sódico, uma combinação poderosa que permite uma morte “limpa” e “indolor”.

Infelizmente para Minelli, os médicos não são generosos na prescrição do pentobarbital, e a maioria desaprova os entusiasmos mórbidos da Dignitas. Minelli tem procurado outros meios para os mesmos fins.

Nos últimos tempos, tem gaseado os clientes. O espetáculo, admite o próprio, não é bonito de ver. Um corpo moribundo, perpassado por violentos espasmos, nunca é bonito de ver. Mas, garante Minelli, não há qualquer dor no processo.

Acredito. Mas a dor não é apenas uma questão física; também existe uma dor moral que parece ausente da consciência do homem. Minelli e seus cúmplices aproximam-se da morte, e da eliminação física de seres humanos, com a mesma naturalidade mecânica que podemos observar nos matadouros. A lei permite? Sem dúvida.

Mas essa espécie de positivismo ético não nos leva longe: uma história da legislação humana, ao longo dos tempos, seria sempre uma história de brutalidades abençoadas pelos códigos. O negócio de Minelli suplanta os códigos e lida com a pergunta última da nossa condição: seremos apenas meros animais para abate quando a doença nos visita?

JOÃO PEREIRA COUTINHO
jpcoutinho@folha.com.br
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1602201017.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Morfina

*

A injeção do dia depois

Você sofreu um assalto? Morfina intravenosa previne estresse pós-traumático

EM JANEIRO , o “New England Journal of Medicine” (362; 2) publicou uma pesquisa, de Holbrook e outros, que mostra o seguinte: os feridos de guerra que recebem rapidamente morfina por via intravenosa tendem a sofrer menos de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Só para explicar, sofrer de TEPT significa, meses e anos depois do evento traumático, ser invadido por lembranças e pesadelos recorrentes que forçam a revivê-lo, perder-se em “flashbacks” que podem durar horas, sofrer psicológica e fisiologicamente quando se esbarra em algo que evoque um aspecto qualquer do evento, estar constantemente numa hipervigilância assustadiça e por aí vai. Quem sofre de TEPT tenta evitar estímulos associados ao trauma, a ponto de se tornar, às vezes, amnésico e, geralmente, de preferir um isolamento apático ao comércio com outras pessoas.

Ora, a pesquisa selecionou 696 militares feridos em combate no Iraque, para os quais eram disponíveis dados médicos detalhados.

Até dois anos depois do ferimento, mais ou menos um terço tinha desenvolvido um transtorno de estresse pós-traumático. Comparando o tratamento desse terço com o dos dois terços que não apresentaram TEPT, foi possível concluir que o uso de morfina no tratamento imediato de uma ferida reduz o risco de que, mais tarde, o paciente desenvolva um transtorno de estresse pós-traumático.

Outros analgésicos, embora suprimam a dor, não inibem o TEPT de maneira comparável com a eficácia da morfina, a qual, por ser um opioide, suprime tanto a dor física quanto a dor emocional. Com essa supressão, a memória do evento traumático não se consolida: sem aflição, a lembrança se torna fragmentária e, no fundo, trivial.

Inevitavelmente, a grande imprensa norte-americana (por exemplo, o “The New York Times” de 14/ 1) apressou-se a ampliar o alcance da pesquisa: se a morfina pode prevenir o TEPT porque ela evita a consolidação da lembrança do trauma, então ela pode ser usada para cada tipo de trauma -não só para feridas de guerra.

A lista é longa dos eventos que podem ser traumáticos e levar, às vezes, a um transtorno de estresse: agressões violentas (estupro, assalto), sequestro, encarceramento, calamidades, acidentes de carro, diagnósticos de doenças que ameaçam a vida etc. E, para que esses eventos sejam traumáticos, não é necessário ser vítima deles. É suficiente ser espectador ou, às vezes, apenas aprender que eles aconteceram.

Levando em conta que o TEPT é uma condição severa e invalidante (o que implica custos sociais e perdas econômicas), poderíamos administrar o fármaco preventivamente, a cada vez que alguém esbarra num evento potencialmente traumático. As farmácias seriam equipadas para injetar morfina intravenosa a quem se apresentasse imediatamente após um trauma. “Acabo de assistir a um assalto no farol”; nenhum problema: “Deite aqui e aperte o punho”. Seria a injeção do dia depois, ou melhor, da hora seguinte.

Mas vamos mais fundo: qualquer clínico sabe que a potencialidade traumática de um evento é singular, depende de cada um de nós. Pela unicidade de nossa constituição, acontece que eu serei traumatizado pelo atropelamento de um cachorro enquanto você precisará, no mínimo, de um ser humano ou dois. Para alguém, assistir ao noticiário sobre o terremoto no Haiti pode ser traumático. Para outro, serão mais traumáticos um filme de ficção ou um romance.

Na ausência de um critério geral do que pode ser traumático, minha sugestão é que se instale em cada cidadão uma bomba subcutânea de morfina, ativada por um botão controlado pelo usuário. Reconhecendo situações que poderiam nos traumatizar, injetaríamos imediatamente uma dose (sem perigo; há, nessas bombas, um mecanismo que impede a hipermedicação).

Imagine só. Alguém me xinga no trânsito? Bomba. Meu tio entrou na UTI? Bomba. Três da manhã e nosso filho ainda não voltou? Bomba duas vezes.
O resultado seria, certamente, uma diminuição dos transtornos de estresse pós-traumático. Agora, haveria também uma diminuição generalizada da intensidade da experiência. Mas, enfim, parodiando a sabedoria dos estóicos, na falta da felicidade propriamente dita (na qual só os ingênuos ainda acreditam), quem sabe a morfina para todos nos permita viver num mundo sem excessos, tranquilo, de dores e alegrias suavemente entorpecidas.

Moral da história: infelizmente, viver é se machucar; para não se machucar, é sempre possível deixar de viver.

CONTARDO CALLIGARIS
ccalligari@uol.com.br
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1102201022.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Drogadictos

*

Juventude medicada

Eduardo é um garoto de dez anos que adora ir à escola, mas não gosta de estudar. As delícias da escola, para ele, estão na chegada, no recreio e na volta para casa. Já as aulas são um martírio. O problema é que Eduardo não consegue parar, tampouco prestar atenção. O corpo de Eduardo o controla.

Ele não aprendeu que pode controlar seu corpo e que precisa se esforçar para focar a atenção e aprender. Então ele brinca, fala e pula o tempo todo.

A mãe de Eduardo não se conforma com as notas baixas e com as constantes reclamações sobre seu comportamento.

“Ele é um aluno inteligente, mas é hiperativo”, disse um dia sua professora. Eduardo foi levado a vários médicos que disseram à mãe que o garoto nada tinha. Mas ela não desistiu até encontrar um que dissesse que Eduardo é portador do transtorno de deficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e indicasse uma medicação. Hoje, o menino toma um remédio e isso deixa todos os adultos que convivem com ele tranquilos.

Claudia é uma adolescente de 15 anos com um tipo físico que ela chama de “cheinho”: ela não é magra como se exige atualmente nem consegue ser.

As amigas são bem magras e, na visão de Claudia, fazem sucesso com os garotos por causa disso.

A garota sofre e está sempre triste. A mãe a colocou para fazer terapia, mas isso já faz um ano e a menina continua triste.

Então, alguém disse à mãe que levasse a filha a um psiquiatra.

Ela não consultou um, mas vários. No fim da jornada, conseguiu o que buscava desde o início: a indicação de um antidepressivo. Hoje Claudia toma um comprimido por dia e sua mãe está bem mais feliz.

Paula e Ricardo são amigos.
No ano passado, fizeram cursinho enquanto terminavam o segundo grau para prestar vestibular em uma universidade concorrida. Apesar de a família dos dois jovens não pressionarem, eles próprios se pressionaram além da conta porque queriam entrar na faculdade neste ano a qualquer custo.

Isso gerou uma ansiedade sem tamanho nos dois: palpitações, crise de choro, desânimo, irritação excessiva e insônia, entre outros, foram sintomas que se alternaram e transformaram a vida dos dois jovens em um inferno. O ginecologista da garota receitou um ansiolítico e ela indicou o remédio para o amigo. Até hoje os dois tomam o comprimido.

Rafael é um jovem com pouco mais de 20 anos, fanático por musculação e escultura do corpo. Na academia, aprendeu que podia facilitar o trabalho tomando anabolizante, que ele já indicou para vários conhecidos.

Está feliz com os resultados.
Os nomes citados são fictícios, mas as histórias, reais. E, ao contrário do que possamos pensar, não são casos isolados.

Tomar medicamentos na infância e na adolescência tem sido um fato muito mais corriqueiro do que deveria ser.

Pelo jeito, estamos estimulando a formação de uma geração de drogadictos -pessoas com dependência, física ou psíquica, de substâncias químicas- usuários de remédios. E nos preocupamos tanto com o uso das drogas ilícitas pelos jovens, não é verdade?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?” (ed. Publifolha)
roselysayao@uol.com.br
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq2801201007.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Haiti

*

Ciência, religião e o Haiti

————————————————
A realidade é crua: a natureza não precisa de nós
————————————————-

É impossível encontrar palavras para descrever a tragédia no Haiti. De longe, lemos depoimentos e jornais. Assistimos às notícias na TV, chocados em ver uma população inteira em profunda agonia, num estado de total fragilidade e de caos. Crianças perdidas de seus pais (ou órfãs) e milhares de pessoas morrendo de fome e sede.

Gangues de jovens -mais de 50% da população tem menos de 18 anos- atacando aqueles que tem algo para comer ou tentando roubar tudo o que podem. Nenhuma água, gasolina ou qualquer forma de comunicação. A vida forçada a parar por completo, um apocalipse real, provocado por forças muito além do nosso controle.

Mesmo que a ciência possa explicar as causas dos terremotos e das erupções vulcânicas, permanece incapaz de prever quando irão ocorrer. Saber a localização das falhas geológicas onde os terremotos ocorrem claramente não é suficiente. Modelos e explicações permanecem especulativos.

Por exemplo, existe uma proposta que terremotos tendam a ocorrer quando há um aumento na força das marés, como em torno da época de um eclipse. De fato, um eclipse anular ocorreu três dias após o terremoto do Haiti. Infelizmente, previsões dessa natureza raramente são precisas o suficiente para salvar vidas.

A Terra é um planeta ativo, borbulhando em suas entranhas, com uma crosta formada de placas que tendem a mudar de posição em busca de um maior equilíbrio quando a pressão subterrânea aumenta. Obviamente, fazem isso sem dar a menor importância para a destruição que causam.

Cataclismos naturais, como o do Haiti ou o tsunami de 2004 no oceano Índico, que causou em torno de 230 mil mortes, expõe a crua realidade da vida na Terra: precisamos da natureza, mas a natureza não precisa de nós.

No nosso desespero, e sem poder prever quando cataclismos dessa natureza irão ocorrer, atribuímos tais eventos a “atos divinos”. Nisso, não somos muito diferentes de nossos antepassados, que associavam divindades a quase todos os aspectos e fenômenos do mundo natural.

Talvez a transição do panteísmo ao monoteísmo, sobretudo no ocidente, tenha removido Deus do contato mais direto com os homens, relegando-o a uma presença etérea, distante da realidade do dia-a-dia. Mas muitos continuam atribuindo o que não entendem a “atos divinos”, seguindo a receita tradicional do “deus das lacunas”: a fé começa onde a ciência termina.

Talvez faça mais sentido associar esses cataclismos a uma indiferença divina. É horripilante testemunhar a crueldade -e até mesmo a estupidez- de certos homens de fé nesses momentos difíceis.

Um exemplo é do pastor evangélico americano Pat Robertson, que recentemente atribuiu o terremoto a uma punição divina contra o povo haitiano, que supostamente assinara um pacto com o diabo para conseguir obter sua independência dos franceses. Nossos antepassados nas cavernas teriam concordado.

Dentro do contexto desta coluna, a tragédia provocada pelo tremor no Haiti nos ensina ao menos duas coisas. Primeiro, que a ciência tem limites, e que existe muito sobre o mundo que ainda não sabemos. Porém, não é por isso que devemos atribuir o que não sabemos explicar a atos sobrenaturais. Nossa ignorância deve abrir caminho ao conhecimento e não à superstição. Segundo, aprendemos que a vida -e aqui estamos nos incluindo- é extremamente frágil e deve ser protegida a todo custo.

Nosso planeta, apesar de demonstrar fúria ocasionalmente, é nossa única morada viável. Devemos tratá-lo com o respeito que merece.
*
Marcelo Gleiser é professor de física
teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro “A Harmonia do Mundo”.
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2401201003.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*

Depressão

*
Click na imagem para ampliá-la.
*

Clínico diagnostica apenas 47% dos casos de depressão

Revisão de 41 pesquisas publicada no “Lancet” mostra ainda que há falso diagnóstico em cerca de 20% dos casos

Estima-se que, no Brasil, cerca de 12% dos homens e 20% das mulheres terão algum nível de depressão em alguma fase da vida

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma meta-análise de 41 estudos de dez países (envolvendo mais de 50 mil pacientes) mostra que somente 47% dos casos de depressão são diagnosticados no atendimento primário (durante uma consulta com um clínico-geral, por exemplo) e que há falso diagnóstico da doença em 20% dos casos.

O estudo, publicado na edição on-line do “Lancet”, avaliou trabalhos desenvolvidos em países europeus, além de nos EUA, no Canadá e na Austrália. “Essa questão [do diagnóstico] tem gerado um debate duplo. Existem afirmações de que a depressão é subdiagnosticada, e há a posição contrária -segundo a qual a depressão é exageradamente diagnosticada pelo fato de os pacientes tenderem a se identificar como deprimidos e os clínicos do atendimento primário aceitarem isso”, afirma o psiquiatra Marco Antônio Brasil, integrante do conselho consultivo da Associação Brasileira de Psiquiatria.

O número de afetados pela depressão no Brasil segue dados mundiais: 12% dos homens e 20% das mulheres terão a doença em alguma fase da vida. Em geral, nos serviços de atenção primária a incidência de depressão varia de 10% a 15% dos pacientes avaliados. “É uma taxa muito elevada, um problema de saúde pública. Em ambulatórios de cardiologia, os índices sobem para 20%”, diz o psiquiatra Renério Fráguas Júnior, supervisor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
O falso diagnóstico pode ocorrer quando o paciente apresenta sintomas facilmente confundíveis com depressão -caso de uma tristeza profunda por uma perda importante ou estresse. Isso pode levar a tratamentos desnecessários.

“Quando há treinamento, pode ocorrer excesso de diagnóstico. Mas mesmo pacientes [sem a doença] com alguns sintomas depressivos podem ter a qualidade de vida comprometida, com mais dificuldade para tomar decisões ou para se concentrar, por exemplo. Isso não quer dizer que tenham de tomar remédio, mas que eles precisam ser cuidados de alguma forma”, pondera o psiquiatra.

Subdiagnóstico
No entanto, de acordo com os especialistas, o subdiagnóstico é muito recorrente e mais preocupante. Para Geraldo Possendoro, psiquiatra e professor de medicina comportamental da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a sobrecarga do serviço público também contribui para dificultar o diagnóstico precoce. “A consulta costuma ser muito rápida, o que faz com que o clínico foque somente na área dele”, diz.

Segundo Brasil, é necessária a formação dos médicos generalistas para que o diagnóstico de depressão seja feito mais precocemente. “O deprimido não procura um psiquiatra, até por preconceito. Ele vai ao clínico, ao neurologista…”
O suporte de um psiquiatra no atendimento primário pode ser necessário para que os clínicos aprendam a identificar sintomas de depressão. No entanto, a formação somente teórica não é suficiente para capacitar os médicos generalistas. “Além disso, é preciso dar supervisão, discutir os casos reais desses pacientes. É preciso um psiquiatra para discutir casos de dúvida”, acrescenta Brasil.

Sintomas
A maior dificuldade do clínico-geral é associar sinais que podem ser creditados a outras doenças -como dores, cansaço, falta de ar e de energia- a uma possível depressão.

Um estudo realizado com 316 pacientes e 19 clínicos-gerais do Hospital das Clínicas de São Paulo e publicado em julho na revista “Clinics” (periódico da instituição) mostrou que lentidão, cansaço e falta de concentração são os sintomas de depressão mais difíceis de serem identificados pelo clínico durante o atendimento.
“No HC, procuramos dar uma formação, mas, diante da elevada prevalência de depressão em atenção primária, acho que o aluno de medicina deveria ter carga horária suficiente na faculdade para ser treinado em diagnosticar transtorno psiquiátricos”, sugere Fráguas.

Outro sintoma importante e pouco associado à doença, diz o psiquiatra, é a falta de interesse pela vida. “É um sintoma essencial. Dados gerais mostram que 40% das pessoas que têm depressão e perderam interesse passaram por um clínico no último mês. Ou seja, quem tem depressão procura o médico, que deve perguntar como anda o prazer pela vida. O paciente nem sempre está triste quando está deprimido”, explica.
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd1408200901.htm
*

Privacidade na Internet

*

Não há privacidade na internet

BRUCE SCHNEIER
DO SCHNEIER.COM

Se seus dados estiverem on-line, eles não são privados. Talvez eles pareçam privados. Certamente, só você tem acesso ao seu e-mail. Na verdade, você e o seu provedor. E o provedor de seu remetente. E qualquer provedor das principais conexões de internet que por acaso acompanhe o percurso desse e-mail do remetente até você.

Se você lê seu e-mail pessoal no trabalho, a sua empresa tem acesso a ele. E, se instalar mecanismos de rastreamento nos pontos certos, a Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) e qualquer outro órgão de inteligência do governo norte-americano, também.

É evidente que você poderia codificar o seu e-mail, mas poucos entre nós fazem isso. A maioria das pessoas agora usa webmail. O problema é que, normalmente, seus dados on-line não estão sob seu controle. Seu webmail está menos sob seu domínio do que poderia estar se suas mensagens fossem baixadas em seu computador.

Se você usa o Salesforce. com, está contando com essa empresa para proteger seus dados. Se usa o Google Docs, você está confiando no Google. Esse é o motivo pelo qual o Centro de Informações sobre Privacidade Eletrônica (Epic, na sigla em inglês) registrou queixa na FTC (agência reguladora governamental norte-americana): confiamos no mecanismo de segurança do Google, mas não sabemos o que ele é.

Isso é uma novidade. Há 20 anos, se alguém quisesse vasculhar a sua correspondência, teria de invadir a sua casa. Agora, essa pessoa pode simplesmente entrar no seu servidor. Há dez anos, suas mensagens de voz eram guardadas em uma secretária eletrônica no seu escritório; agora, estão em um computador que pertence a uma empresa de telefonia.

Suas movimentações financeiras encontram-se em websites remotos, que são protegidos apenas por meio de senhas; os dados sobre os empréstimos que você fez são recolhidos, armazenados e vendidos por empresas que você nem sequer sabe que existem. E mais dados estão sendo gerados. Listas de livros que você compra, assim como de livros pelos quais você dá uma passada de olhos, são armazenadas em computadores das livrarias.

Seu cartão de fidelidade informa ao seu supermercado quais alimentos você aprecia. O que era uma moeda anônima colocada em uma cabine de pedágio transformou-se em pedágio eletrônico, que registra em que estrada você esteve e quando.

O que costumava ser uma conversa cara a cara tornou-se agora um bate-papo eletrônico, uma troca de mensagens de texto por celular ou uma conversa no Facebook.

Quanto a nossa segurança e privacidade, não temos nenhuma escolha, além de confiar nessas empresas, mesmo que elas tenham pouca motivação para nos proteger. Tanto a ChoicePoint e a Lexis Nexis (empresas de internet norte-americanas de banco de dados) quanto o Bank of America ou a T-Mobile não assumem os custos relacionados a violações de privacidade ou a roubos de identidade digital.

Essa perda de controle sobre nossos dados tem outros efeitos também. Nossas proteções contra casos de abuso policial foram drasticamente diluídas.

Os tribunais têm autorizado a polícia a investigar nossos dados sem um mandado se esses dados se encontrarem sob o domínio de terceiros. Se a polícia quiser ler um e-mail no seu computador, ela precisa de um mandado, mas isso não será preciso se o e-mail for lido a partir dos arquivos de backup localizados em seu provedor.

Direitos digitais
Isso não é um problema tecnológico, é um problema jurídico. Os tribunais precisam reconhecer que, na era da informação, privacidade virtual e privacidade física não têm as mesmas fronteiras. Nós deveríamos ser capazes de controlar nossos próprios dados, independentemente de onde eles estivessem armazenados. Deveríamos ser capazes de tomar decisões sobre a segurança e a privacidade de nossos dados e ter respaldo legal no caso de as empresas falharem em honrar essas promessas.

Tradução de FABIANO FLEURY DE SOUZA CAMPOS
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/informat/fr1507200908.htm
*