A luta literária

*

A luta literária

Para a maioria dos autores, escrever é como se exercitar; o prazer não está na prática, mas no fato de ter praticado. Por quê? O ato literário é uma luta que só acaba com o último ponto. Mas o tipo e a intensidade dela variam com o escritor.
João Cabral de Melo Neto disse que sua luta envolve a necessidade de preencher um vazio. A de Rachel de Queiroz era econômica, não existencial, pois escrevia para se sustentar.

“Se eu morrer agora, não vão encontrar nada inédito na minha casa”, disse. Para Veríssimo, o adversário é o prazo dos jornais, que não dá a suas ideias bastante tempo para incubar. Ariano Suassuna, a rara exceção, escreve para entrar no mundo dos personagens e suas aventuras enquanto os cria. Para ele, o ato literário é interativo, e a gratificação, imediata. A maioria dos músicos gosta mais de tocar músicas do que de compor pela mesma razão: a recompensa instantânea.

Escrever, como compor, adia a gratificação. O prazer não vem com a palavra certa para terminar a frase ou o parágrafo, mas com os primeiros esboços, quando, como diz Philip Roth, “você tem chão embaixo dos pés”. Para o ganhador do Nobel Orhan Pamuk, o fim também é o objetivo. “Escrevo porque quando inicio um romance ou ensaio, quero acabar”, disse.

Para Pamuk, escrever é o longo e árduo processo de “descobrir o ser dentro de si que fala de coisas que todos sabemos, mas não sabemos que sabemos”. Concordo. Só ao colocar minhas ideias e sentimentos no papel consigo elaborá-los e elucidá-los. Uma vez, ao escrever um poema para uma mulher que me abandonara, chorei porque nunca tinha ouvido minha mágoa sair de modo tão simples e sintético. Como disse E.M. Forster: “Para saber o que penso, preciso ver o que digo”.

Meu pai disse que eu seria escritor quando meu nome estivesse na capa de um livro. Mas virei escritor pagando o preço -disciplina, paciência, coragem- que o ofício cobra. Também tive que buscar um equilíbrio entre a necessidade de interagir com o mundo para entendê-lo e a de me isolar para pô-lo em perspectiva no papel.
Para virar escritor, também precisava achar minha voz -afinando ideias para acertar o tom. Essa voz tem que refletir quem você é! Hemingway achou a sua em frases secas e concisas como: “À venda, sapatinhos de nenê, nunca usados”.

Autores como Hemingway e Faulkner buscavam imortalidade, só desfrutável do além. Como Woody Allen disse, “melhor do que continuar vivendo nos corações e mentes do público é continuar vivendo no próprio apartamento”.

Outros são atormentados pela pergunta: “Eu tenho talento?” Veja o dramaturgo no filme “Tiros na Broadway”. Depois de se recusar a pagar o preço do ofício e contratar um novato promissor para reescrever suas peças medíocres, é forçado a admitir que não tem talento. Não pago o preço para provar meu talento, nem para que me leiam, muito menos para ser lembrado. Pago porque quero saber o que sei.

——————————————————————————–
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 26 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas “Sonhando com Sotaque – Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro” (ed. Record)

www.michaelkepp.com.br
mkepp@terra.com.br
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq1405200901.htm
*

Fama

*

Uma força incontrolável

————————————————
[…] A FAMA, MESMO QUANDO VOCÊ NÃO A BUSCA, PODE DEIXÁ-LO COM UM LEGADO QUE DISTORCE QUEM VOCÊ É
———————————————–

Por: Michael Kepp

A fama é uma faca de dois gumes, não só porque tende a ser efêmera e invasiva mas porque é sempre incontrolável.

Os famosos, apesar do poder que muitos ostentam, não têm poder sobre como serão lembrados. É verdade, aqueles que matam presidentes americanos sabem de antemão que serão notórios. Mas a fama, mesmo quando você não a busca, pode deixá-lo com um legado que distorce quem você é.

Algumas dessas caricaturas duradouras são mais lisonjeiras do que outras. Helô Pinheiro gosta ser conhecida como a musa inspiradora de “Garota de Ipanema”. O mesmo não pode ser dito de Monica Lewinsky, a estagiária da Casa Branca que será lembrada por fazer sexo oral com o presidente Clinton. Parafraseando Lewinsky: “Preferiria ser bem conhecida por outra coisa”.
O sufixo de “Clintongate” se refere ao escândalo que forçou o presidente Nixon a renunciar após tentar encobrir espionagem política encomendada por seus assessores no complexo Watergate. Desde o caso Watergate, todo escândalo político americano acaba em “gate”. É o legado de Nixon.

Um legado pode ofuscar uma vida de realizações. Os suicídios da poetisa Sylvia Plath e de Assia Wevill, que se mataram enfiando a cabeça no forno a gás, lançaram uma suspeita tão grande sobre o homem infiel com quem foram casadas, Ted Hughes, um dos melhores poetas ingleses de sua geração, que eclipsou seu trabalho.

A fama pode levar seus admiradores a confundirem você com sua imagem, especialmente em Hollywood. Rita Hayworth é lembrada como a estonteante “femme fatale” de “Gilda” e como uma das mulheres mais desejadas da sua época. Mas esse legado ofusca seu insucesso no amor. Ela colocou a culpa do fim de seus cinco casamentos no fato de que “os homens se apaixonam por Gilda, mas acordam comigo”.

No livro “Deu no New York Times”, Larry Rohter acertou ao se indignar com as distorções da fama. “Fico incomodado com o fato de que, das centenas de matérias que escrevi sobre o Brasil, a reportagem sobre Lula e a bebida é a única que a maioria dos brasileiros conhece”, escreveu. “E reconheço que, quer eu queira, quer não, “o caso Larry Rohter” já faz parte da história do Brasil.”
Mas, além do debate sobre a relevância da matéria em si, o caso não teria tido tanta repercussão (1) se Rohter não trabalhasse no jornal mais influente do mundo, (2) se um de seus editores não tivesse dado à matéria o título enganador “Gosto do dirigente brasileiro pela bebida torna-se preocupação nacional” e (3) se Lula não tivesse tentado expulsá-lo do país.

A fama brota de um coquetel imprevisível de catalisadores. Muitos dos que são pegos em sua luz parecem cervos paralisados por faróis de carro. E até quem busca a fama está mal preparado para ela. É verdade, quanto mais uma pessoa se conhece, menos a fama pode defini-la. Mas essa força nunca pode ser totalmente controlada e sempre tem a última palavra.

MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 26 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas “Sonhando com Sotaque – Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro” (ed. Record)

Site:
www.michaelkepp.com.br
mkepp@terra.com.br
*
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq1604200901.htm
*
Publicado em: SinapsesLinks:
http://sinapseslinks.blogspot.com/
*