Alfabetização

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Em defesa do direito de ser alfabetizado

NEUROCIÊNCIA
Suzana Herculano-Houzel

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NÃO É POSSÍVEL AFIRMAR QUANDOO CÉREBRO ESTÁ PRONTO PARA APRENDER A LER

A leitura é uma habilidade inventada pelo cérebro humano. Inventada mesmo: se a capacidade para expressar ideias em sons e gestos é inata (ainda que tenha que ser desenvolvida), a codificação dessas ideias em rabiscos arbitrários -as letras- e a decodificação de grupos desses rabiscos em sons e ideias é algo que nossos antepassados começaram a fazer 5.000 ou 10 mil anos atrás.

Conseguimos ler e escrever graças às conexões entre as áreas do cérebro responsáveis respectivamente pela identificação de símbolos visuais, pela identificação de sons, pela representação de conceitos e pela produção dos movimentos da boca associados a cada palavra.

A leitura só se torna possível quando tudo isso funciona em conjunto, permitindo que os símbolos vistos no papel encontrem no cérebro sons e significados associados a eles. A escrita, por sua vez, requer, além disso, coordenação sensoriomotora suficiente para não apenas identificar os rabiscos associados aos sons mas produzi-los ativamente de memória.

Quando tudo isso acontece? Em algum momento da infância -conforme as conexões na substância branca entre as áreas envolvidas, espalhadas nos lobos temporal, parietal e frontal, amadurecem, ganhando uma capa de mielina que torna a troca de sinais entre essas áreas mais rápida e fidedigna.

Quanto mais intensa é a mielinização, melhor tende a ser a capacidade de leitura do indivíduo. Mas não é possível precisar uma idade em que o cérebro “fique pronto” para aprender a ler: o amadurecimento da substância branca é um processo sujeito a algumas variáveis.

Se algumas crianças de fato só terão a interconectividade necessária à alfabetização madura o suficiente aos seis ou sete anos de idade, outras podem tê-la madura o suficiente já aos cinco ou quatro anos e aprender a ler sem problemas.

Esse é o consenso na neurociência: se cada criança tem seu tempo, não há uma idade mágica para começar a alfabetização. Mas o MEC aparentemente discorda e quer decidir, para fins de “alinhamento entre os sistemas”, que crianças abaixo de seis anos completos até 31 de março não só não devem ser alfabetizadas como não têm direito a entrar no ensino fundamental mesmo que já alfabetizadas e maduras, sociáveis e interessadas em ir à escola. Querem colocar o cérebro em uma forma e ignorar a diversidade em nome da burocracia.

Eu protesto!

SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de “Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor” (ed. Sextante) e do blog:
www.suzanaherculanohouzel.com
suzanahh@gmail.com
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0104201009.htm
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http://sinapseslinks.blogspot.com/
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Memória

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Memória começa a mudar a partir dos 40

“Nós somos as memórias que possuímos”, define Iván Izquierdo, 71, neurocientista da PUC-RS que conseguiu reconhecimento mundial pesquisando como um cérebro normal evolui ao longo do envelhecimento.

A conservação desse patrimônio, que confere identidade única a cada indíviduo, é um dos maiores desafios atuais da ciência. Quanto mais a medicina prolonga a vida das pessoas, mais elas estão sujeitas ao surgimento de demências na terceira idade, como Alzheimer ou problemas vasculares cerebrais que afetam a memória e para os quais os medicamentos ainda são pouco eficazes.

Num levantamento em São Paulo, a prevalência do mal de Alzheimer em 2008 foi estimada em mais de 7% da população acima de 60 anos. Como a porcentagem de idosos tende a aumentar, o número de casos na população geral pode dobrar ou até quadruplicar até 2040, afirma Lea Grinberg, do Grupo de Estudo do Envelhecimento Cerebral, da Faculdade de Medicina da USP.

“O grande fator de risco para essas doenças é fazer aniversário”, afirma Grinberg. A partir dos 65 anos, diz ela, o risco de desenvolver demência dobra a cada cinco anos.

O foco do grupo de pesquisadores da USP é o estudo de mecanismos cerebrais que ainda não são bem conhecidos, para tentar diferenciar o que é realmente doença do que é a perda natural provocada pelo envelhecimento.

Como explica Izquierdo, da PUC, não é na terceira idade, mas a partir dos 40 anos que a memória começa a ficar menos consistente. Nessa época, o cérebro dá uma virada no modo de consolidar e gerenciar a memória, privilegiando a concentração das lembranças mais importantes. Ou seja, algum grau de esquecimento é sintoma de mudança no perfil da memória, e não necessariamente perda cognitiva.

Os pesquisadores da USP têm estudado o cérebro de pacientes mortos, em busca de sinais de alguma alteração física ou química que permitam descobrir as diferenças e entender como as demências evoluem.

Os corpos são doados por famílias que enfrentaram alguns desses problemas demenciais. É uma forma de quem já foi ajudar a medicina a tentar preservar a memória de quem ficou.
(EDUARDO GERAQUE e RAFAEL GARCIA)
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj1503200911.htm
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Mágica!

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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel
Mágica!

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[…] Sem ter estudado neurociência, o mágico sabe que nunca paramos de prestar atenção enquanto estamos acordados
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Detesto festas de criança com animadores. Mas, quando há um show de mágica, já estou lá. Adoro sentar no chão com as crianças e me deixar maravilhar com as habilidades do mágico de confundir meu cérebro conforme lenços somem e reaparecem e moedas jorram dos ouvidos alheios.

Sei perfeitamente que há uma explicação plausível por trás de tudo aquilo -mas isso não diminui em nada a experiência. Ao contrário, só me deixa mais maravilhada.

Como eu teria adorado, então, participar da reunião da Associação para o Estudo Científico da Consciência em 2007, muito apropriadamente realizada em Las Vegas, onde houve um simpósio sobre… mágica! Os cinco mágicos presentes demonstraram sua arte e sugeriram aos neurocientistas como usar em laboratório os recursos da mágica para “mexer com a cabeça” dos voluntários.

Mágicos são pessoas com intuições profundas -e grande conhecimento prático- sobre a atenção e a consciência humana, que eles exploram e manipulam em suas apresentações. Sem ter estudado neurociência, eles sabem, por exemplo, que nunca paramos de prestar atenção enquanto estamos acordados; apenas mudamos de foco, e objetos coloridos que aparecem subitamente, assim como movimentos amplos, têm grandes chances de roubar nossa atenção e abrir uma janela de oportunidade para o mágico fazer o que for preciso. Sabem que cerca de dois décimos de segundo não chegam às nossas mentes quando piscamos.

Exploram as expectativas criadas no cérebro por repetições, a ponto de jurarmos que uma bola foi de fato arremessada -e sumiu em pleno ar- só porque vimos as anteriores chegarem ao alvo. E abusam de nossa cegueira para mudanças que ocorrem defronte de nossos olhos durante interrupções como um pano passado à frente de uma pessoa que é então trocada por outra.

Um pouco de mágica em laboratório, portanto, pode ajudar a neurociência a explorar os mecanismos da atenção e da consciência.

Além de entender o que se passa na cabeça de espectadores boquiabertos (como uma intensa ativação do sistema de recompensa, que não pode deixar algo incrível passar despercebido).

O mais importante é que explorar como ela funciona não diminui a graça da mágica. Pelo contrário: mesmo sabendo como sua atenção e consciência estão sendo manipuladas, até uma platéia de neurocientistas é capaz de ser levada por um bom mágico a acreditar que a única explicação possível é… mágica!

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SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro “Fique de Bem com o Seu Cérebro” (ed. Sextante) e do blog “A Neurocientista de Plantão” (www.suzanaherculanohouzel.com)

suzana.herculano-houzel@grupofolha.com.br
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