O Homem do Mercado

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O HOMEM DO MERCADO

Mercado centenário de conhecida cidadezinha do interior, sempre
foi motivo de ataques ao Prefeito, fosse ele qual fosse. Isso porque, além de receber esporadicamente uma pinturinha externa, seu interior era quase nojento.Certa vez, até pegou fogo. Descuido com a higiene, barracas que vendiam carnes, aves, peixes e verduras, caminhando para pastéis, rolo de fumo, rapadura, roupas, calçados, panelas, ração para aves e animais e até mesmo os próprios (bichinhos e aves), caracterizavam esse espaço.

Os donos das barracas não praticavam bons preços, o que encorajou, de certa forma, o incremento da feira -livre, onde pequenas culturas de fundo de quintal ou poucos chacareiros ofereciam seus produtos. Nos anos 60, a oferta era diminuta e quanto mais a hora avançava, mais caras as mercadorias se tornavam. Sim, porque uma vez acabado o estoque, só na semana seguinte. Era um tipo de mentalidade que imperava na região, ou talvez, só naquela peculiar cidade. A falta de capital, a dificuldade e a procura relativa, não estimulavam os vendedores a ousadias. O resultado era pouco, mas estava bom!…

Dentro do mercado, entretanto, os comerciantes disputavam a freguesia oferecendo crédito – a caderneta fazia parte do investimento. Se fosse pagamento mensal, principalmente de gêneros alimentícios, ao quitar a conta, o dono do estabelecimento ofertava ao freguês uma lata de goiabada, uma compota de doce, ou, quem sabe, um queijo da fazenda. (Nos bairros de S. Paulo – anos 40/50 – essa prática também era comum). Eles – os comerciantes – não sabiam. Agiam por impulso ou, melhor dizendo, eram dotados de tino comercial nato. O que dita hoje o princípio da Qualidade Total? Não é oferecer ao cliente algo mais? Algo inesperado? Algo surpreendente? Fidelizar o cliente através de um bom e diferenciado atendimento?…

Na verdade, as coisas mudam de nome, tornam-se sofisticadas, mas suas raízes, agora vivificadas, têm sua origem no comércio de sempre.

Dentro do mercado havia também as atraentes máquinas de fazer caldo-de-cana. As moscas, em larga escala eram preocupantes, mas o garapeiro protegia o seu produto com véus e peneiras. Geladinha, a garapa era uma delícia naquela cidade quente.

Havia um garapeiro, em especial, muito cuidadoso. Já um senhor – desse tipo que não se adivinha a idade – com cabelos brancos, rosto magro sulcado, pele morena e grandes olhos azuis. Adotara como uniforme um jaleco azul claro, que foi se desbotando com o tempo. Tem-se a impressão de que após 50 anos ainda é o mesmo.

Nesse lapso de tempo – insignificante para a história – mas significativo para uma terra onde a estagnação era sua marca – de repente, um progresso teimoso começou a manifestar-se. A cidadezinha continuou pequena, perto de sua vizinhança, mas, uma mexidinha aqui, outra ali, uma fábrica que se instalava e, vagarosamente, mais outras, trazendo consigo humanos “aborígines” – eis que o quadro começa a mudar.

A feira externa duplicou-se, passou a funcionar mais dias na semana. A parte interna do mercado reagiu à concorrência. Com a febre das lanchonetes, seu espaço não ficou impune. Pastelaria, então, nem se fala. Cadeirinhas e mesas brancas, alardeando logomarcas, ocuparam o lugar dos transeuntes. Acesso à cerveja com salgadinhos passou a ser o sonho de consumo de comunidades para quem isso não era acessível. Outras tantas periféricas passaram a vir ao mercado mais vezes.

Nesse confronto do velho e do novo – quando se diz novo, – não se quer dizer necessariamente melhor – revisitando essa localidade, volto a encontrar o garapeiro com seu jaleco azul desbotado, cabelos encaracolados repartidos de lado e – como se isso fosse possível – ainda mais brancos. Seus olhos azuis, não digo olhinhos, porque me pareceram até maiores, continuam atentos, apesar do comprometimento de saúde de um deles. Esse homem, sempre diligente com a freguesia, oferece-me seus produtos. Serve-me deliciosa garapa, e, enquanto seus dedos endurecidos pelo reumatismo, manuseiam as notas com eficiência verificando-as pelo tato, confidencia-me: “Logo estarei expandindo-me para uma lanchonete cuidada e bem arranjada. Já estou de idade e é preciso ajeitar tudo para a família continuar.” Seu gestual completou a comunicação: contraiu matreiramente um dos olhos e sacudiu levemente a cabeça, sugerindo cumplicidade…

Saboreei a garapa e retirei-me. Sensibilizada, chorei copiosamente, logo ali adiante, dentro mesmo do mercado não consegui dizer a esse homem, como sempre o admirara. E ele jamais imaginará a lição de vida que, gratuitamente, acabara de me dar.

Com as emoções mais equilibradas, passei a meditar. Senti, uma vez mais, que Jesus está ao nosso lado em todas as ocasiões de nossas vidas. Esse homem do mercado, imagino eu, jamais poderia pensar que a construção de seu trabalho edificante, pudesse repercutir em seus clientes, tanta admiração. Digo clientes, porque tenho certeza de não ser a única a sensibilizar-se com seus feitos. Sua maneira de atuar no comércio, da forma que já foi mostrada como peculiar, sugerem um ato de amor, tornando-se esse homem, talvez sem o saber, mostrar-se como testemunha do Evangelho de Jesus.

Isso sugere que em tudo o que fazemos na vida há uma platéia a nos observar. Temos, assim, a responsabilidade de bem executar nossas tarefas. Conforme seja nossa ação, ela, sem dúvida, há de inspirar boas ou más influências. Jamais será neutra. O livre arbítrio, com certeza, direcionou um homem, hoje velho, mas que um dia foi moço, na construção de seu pequeno negócio, regido pela grandeza do amor.

Autora:
Lenita Maria Costa de Almeida
Pindamonhangaba-SP