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Liberdade para Aprender
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Como ensinar seu filho a fazer seus próprios julgamentos
Saber de cor não é saber.
É uma frase que muita gente sabe – de cor. A sabedoria vem de longe, do século XVI. Aparece num pequeno ensaio de Montaigne (1533-1592) intitulado Da educação das crianças, agora disponível em português em edição popular. Sabemos então o que saber de cor não é. Mas é o quê? É muito menos. É apenas “conservar o que foi entregue à guarda da memória”, diz o ensaísta francês.
O fato de a lição ser antiga, no entanto, não quer dizer que tenha sido assimilada. A pedagogia mais moderna tem nesse conceito um pilar, mas o ensino em geral no Brasil, onde as carências materiais dificultam até a reflexão sobre o ofício de ensinar, ainda não se livrou totalmente do nada instigante método da decoreba.
Montaigne tinha em mente o aprendizado de um nobre de sua época. Nobre, porém, não no sentido da nobiliarquia. Ele pensava no nobre de espírito, no homem virtuoso. É por isso que, quatro séculos depois, pode ser lido com proveito por pais e professores.
Para Montaigne, o objetivo central da educação deveria ser permitir à criança a formação de um julgamento individual. Para tanto, ela precisa liberdade. Em vez de aceitar o julgamento transmitido, deve julgar por si própria. “A relação com as opiniões dos grandes autores não se dará por crédito e autoridade, mas passará pelo crivo do aluno”, anota Cláudia Vasconcellos na apresentação da obra. “Aceitar, por crédito, as opiniões de um autor, portanto, é hipotecar a própria liberdade e, assim, impossibilitar o exercício do julgamento.” Memória cheia, juízo vazio.
O ensaísta faz distinção entre erudição e sapiência. O erudito – termo que emprega em sentido pejorativo – é o pedante que, ao contrário do sábio, desenvolve uma cultura puramente livresca, que acumula saberes sem conseguir digeri-los. Como quem comete uma indiscrição em conversa com um amigo, o ensaísta conta ter um conhecido que, diante de qualquer pergunta, saca logo um livro. “Não ousaria dizer-me que está com coceira no traseiro sem ir na mesma hora examinar em seu dicionário o que é coceira e o que é traseiro.” É isso o que Montaigne chama de competência mendigada.
A formação de um jovem, portanto, passa também ao largo dos livros. Eles são fundamentais, mas pouco úteis se desvinculados da vivência. “Tudo o que se apresenta aos nossos olhos serve de livro eficiente”, ensina Montaigne. Os países estrangeiros são fonte rica dessa sabedoria, se de lá trouxermos experiências, não quinquilharias. O importante é “atritar e polir nosso cérebro contra o de outros”. Na impossibilidade de o aluno viajar, o ensino multicultural adotado em algumas escolas no Brasil preenche a lacuna. Sócrates, que não perambulou por todas as cidades de seu tempo, quando alguém lhe perguntava de onde era não respondia: “De Atenas”. Falava: “Do mundo”.
Releio os parágrafos acima. Muitas aspas. Montaigne implicava com citações. Fazer o elogio de um pensamento próprio com idéias alheias é uma contradição em termos. “Um papagaio falaria igualmente bem”, disse ele (e estas são as últimas aspas). Releio agora trechos do livro. Plutarco, Sêneca, Cícero, Aristóteles. Estão todos lá, ao lado de pensadores menos conhecidos. Montaigne, quem diria, também citava. Para mim, é um consolo: fico em boa companhia.
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Autor:
Oscar Pilagallo
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Acervo do Leal:
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