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Câncer une as melhores Universidades
“Muito da nossa força reside na interação entre pessoas criativas”, disse à Folha Drew Faust, reitora de Harvard
SE FOREM ANUNCIADOS tratamentos revolucionários ou vacinas contra o câncer a partir de agora, há uma chance razoável de que o Instituto Koch, um centro de pesquisas inaugurado neste mês nos Estados Unidos, tenha participado -ou mesmo sido o polo- da descoberta.
Isso se explica não só porque se juntaram nesse projeto as duas mais renomadas universidades do mundo (Harvard e MIT), o que já não é nada fácil, mas porque estão sendo reunidos num mesmo prédio, cruzando as pesquisas, 650 cientistas das mais variadas especialidades: oncologistas, químicos, biólogos e geneticistas, em meio a diversos tipos de engenheiro. A ideia é criar um consórcio planetário de pesquisadores, como o nosso Instituto do Câncer em São Paulo.
Espera-se que essa quebra de barreiras espaciais ajude a promover a inovação: engenheiros, por exemplo, podem desenvolver com químicos e biólogos minúsculos chips que, injetados no corpo, destruam os tumores sem prejudicar as células saudáveis.
Essa é uma terapia que combina dinheiro com vontade e inteligência, mas o efeito do projeto vai mais longe do que o combate aos tumores -o efeito é a forma como se produzem as descobertas.
Estamos falando aqui de duas universidades que geraram ou têm entre seus professores cerca de 120 vencedores do Nobel e vivem se digladiando para ficar nos primeiros lugares das listas das melhores instituições de ensino superior do mundo.
Fazendo uma comparação vulgar, é como se o Palmeiras e o Corinthians fizessem uma parceria para desenvolver uma melhor técnica futebolística -aliás, a direção do MIT e a de Harvard lançaram um texto conjunto na semana passada em que afirmam que a economia americana depende do que se produz. Foi por isso, segundo elas, que a decadência do país, tantas vezes prevista, ainda não aconteceu.
O que faz uma universidade ficar nos primeiros lugares em rankings de qualidade são, em essência, suas pesquisas. Isso acaba atraindo mais dinheiro e, naturalmente, os melhores alunos e professores, num círculo virtuoso.
Na conversa que teve comigo e com a repórter Luciana Coelho, da Folha, Drew Faust, a reitora de Harvard, deixou claro que um de seus principais interesses na visita ao Brasil é atrair talentos. Talentos se traduzem em invenções. “Muito da nossa força reside nessa interação entre pessoas criativas”, diz ela.
A forma como se inova depende da quebra de paradigmas. Daí por que aquele instituto do câncer vai além da medicina. A produção de conhecimento exige que se rompam as barreiras entre os departamentos acadêmicos, que pouco se falam, provocando desperdícios. Isso significa quebrar barreiras políticas, burocráticas e até aquelas próprias do jogo de vaidades.
Fora isso, há o risco de obsoletismo. Como obsoletismo não atrai talentos, entra-se num círculo vicioso.
Temos visto como as novas tecnologias têm virado de cabeça para baixo a forma de produzir saber. Um dos melhores exemplos é o site Wikipedia, uma biblioteca mundial produzida coletivamente e cada vez mais confiável. Assim vão nascendo as inovações.
A IBM desenvolve extraordinários programas na internet apenas para aproximar seus milhares de pesquisadores espalhados pelo mundo, gerando um ambiente único de aprendizagem -a IBM é a maior produtora de patentes do mundo.
Empresas lançam produtos em teste para recolher sugestões do público e pagam por elas.
Uma das novas estrelas da internet, a Netflix, que está reinventando a forma como se alugam filmes, ofereceu US$ 1 milhão a quem desenvolvesse um programa capaz de adivinhar o filme que seus clientes gostariam de ver. É pouco perto dos US$ 3 milhões oferecidos por uma empresa de seguro médico (Heritage Provider) a quem desenvolver um software capaz de estimar quando seus clientes vão acabar num hospital para que, com essa informação, possa tomar medidas preventivas.
Nada poderia ser mais exemplar desse jeito de ver o mundo do que duas universidades rivais se unirem para descobrir a cura do câncer.
PS- Veja como um grande problema pessoal vira uma enorme solução coletiva. O bilionário David Koch descobriu, há 20 anos, que tinha câncer.
Desde então, já gastou quase US$ 1 bilhão para ajudar a descobrir novos tratamentos para a doença. Ao instituto que leva seu nome deu US$ 200 milhões até agora. Essa é uma daquelas pessoas que, com ou sem câncer, ficam imortais.
Gilberto Dimenstein
gdimen@uol.com.br
JFSP20MAR2011C5
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Publicado em: SinapsesLinks
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