Umbanda

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Umbanda

por Rubem César Fernandes

As primeiras informações registradas sobre a Umbanda datam dos anos 20 deste século e vêm de Niterói, no Rio de Janeiro, Estado onde, em 1941, organizou-se o Primeiro Congresso do Espiritismo de Umbanda.

Estas primeiras notícias, no entanto, faziam já menção à “Macumba”, no intuito de diferenciar-se dela, denotando, portanto, a pré-existência de práticas afins. Múltiplas iniciativas, livres de controles hierárquicos, potencializavam a comunicação entre elementos do catolicismo, do Espiritismo Kardecista e das tradições afro-brasileiras. Uma nova linhagem religiosa emergiu deste turbilhão simbólico, apresentando-se dividida, contudo, entre os nomes de “Umbanda” e “Quimbanda” ou, mais vulgarmente, “Macumba”.

Embora compartilhando um mesmo conjunto de crenças, estes nomes alternativos indicam uma divisão de sentido. Supostamente, a Umbanda trabalharia “para o bem”, enquanto a Quimbanda se distinguiria pela sua intenção de trabalhar “para o mal”. Esta é uma interpretação simplista, no entanto, pois a ambivalência entre o bem e o mal parece ser, na verdade, característica dos fundamentos míticos desta corrente religiosa. Concebe-se inserida num ambiente cósmico dividido entre diversas facções que se relacionam através de ataques e defesas místicas. Como ocorre nas disputas de amor e noutras situações competitivas, o bem de uma parte pode ser o mal de outra, e vice-versa.

A mitologia umbandista tem um claro sentido hierarquizante. As entidades religiosas distribuem-se por sete “Linhas”, comandadas por um orixá ou santo católico. As linhas subdividem-se em “Falanges” e “Legiões”, pelas quais distribuem-se espíritos desencarnados em vários estágios de evolução. O altar principal, chamado “Congá”, costuma ser enfeitado com uma grande quantidade de imagens e objetos, ilustrando a complexidade do panteon umbandista. Estes altares podem ter imagens de Cristo, o Guia do Terreiro, Nossa Senhora, santos como São Lázaro, São Jorge, Cosme e Damião, orixás, pretos velhos, caboclos, velas, colares, flores e por vezes ícones cívicos, como a bandeira nacional. A Umbanda surgiu no entre guerras, momento de forte afirmação do Estado nacional, e se assume como religião patriótica.

O culto é feito numa “Gira”, composta de música e dança sagradas. Os atabaques marcam o ritmo, os médiuns cantam o “ponto” sob a liderança da Mãe ou Pai de Santo, dançam em roda, e recebem os guias espirituais, funcionando como seus “cavalos” ou “aparelhos”. Além de se expressarem dançando a sua energia vital, como ocorre no Candomblé, os guias da Umbanda se apresentam para dar conselhos aos fiéis que se aproximam. Orientam os fiéis e purificam-nos através de “passes”, protegendo-os dos ataques místicos de que são vítimas.

A Mãe e algumas filhas de santo mais desenvolvidas costumam receber fiéis para consultas, o que fazem incorporadas pelos seus guias. Os terreiros de Umbanda tornam-se, assim, centros de avaliação e de resolução de uma infinidade de pequenos conflitos que afligem as pessoas em seu cotidiano. São especialistas na identificação das causas dos infortúnios, profundos conhecedores da psicologia social local. Ajudam a conformá-la, inclusive, emprestando-lhe um sentido maior. As competições cotidianas, cujos resultados desiguais semeiam a inveja e o ressentimento, resultam na produção de feitiços, ou mesmo na simples geração de negatividades que fazem mal. O povo da Umbanda (dir-se-ia o povo brasileiro, em larga escala) leva a sério o “mau olhado”.

Invenção cultural notável, a Umbanda traz, para a interpretação e resolução de conflitos, personagens “marginais” da hierarquia simbólica dominante: caboclos afoitos, que representam os espaços não domesticados das matas; pretos velhos, escravos já à margem do trabalho, que têm a sabedoria realista de uma vida sofrida; exus e pombas giras, identificados a personagens das ruas, que não se escondem atrás de máscaras sociais bem comportadas e que se movem com facilidade pelos meandros perversos dos conflitos humanos; crianças, que ainda não entraram na idade da razão. São estes os guias para a proteção e o aconselhamento. Distantes das autoridades oficiais, sejam seculares ou sagradas, possuem os poderes que se acumulam nas margens das estruturas burocráticas e simbólicas. São poderes usualmente descartados pelas ideologias oficiais, que encontram abrigo na Umbanda e podem, através dela, dar um sentido positivo à sua experiência e ao seu destino.
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Autor:
Rubem César Fernandes formou-se em História, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez mestrado em Filosofia, na Universidade de Varsóvia (Polônia), e tornou-se PhD na Universidade de Colúmbia (Nova York). Foi professor na Universidade de Colúmbia, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no Museu Nacional (Rio de Janeiro), na UFRJ e na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). É secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e secretário executivo do Viva Rio. Autor, entre outros, de Romarias da Paixão (Rio de Janeiro, Rocco, 1995), Privado Porém Público (Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1995), Vocabulário de Idéias Passadas (São Paulo, Relume Dumará, 1995) e Novo Nascimento – Os Evangélicos em Casa, na Igreja e na Política (no prelo).
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Fonte:
http://www2mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/artecult/religiao/umbanda/index.htm
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Publicado em SinapsesLinks:
http://sinapseslinks.blogspot.com/
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Macumba em Londres!

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Macumba em Londres

Ivan Lessa
Colunista da BBC Brasil

O terreiro fica em Willesden. Noroeste de Londres. Bairro globalizado. Judeus, irlandeses, negros.

O terreiro é um flat térreo numa casa comum de três andares. Funciona às sextas-feiras. O pai de santo recebe os convidados na entrada. Todo de branco, expressão séria.

O terreiro ocupa apenas a sala de estar. Para um lado foi rolado o tapete, num canto um boom box batuca tambores, noutro um rapaz muito branco, sem camisa, está sentado de cócoras, mexendo com conchas: é o preto véio.

Duas mocinhas com lenço branco na cabeça, lembrando ciganas, ensaiam uns passos no centro da sala. Uma poltrona e uma mesa desmontável ficaram empoleiradas no corredor. Na parede, um poster do Cristo Redentor e outro da cachaça 51 (“The favorite flavour of Brazil”). Alguém comenta que, se é inglês britânico, o “favorite” deveria ser com U, “favourite”, feito o “flavour”. Falou um pouco alto demais. O dono da casa, ou pai de santo, faz uma cara feia.

Durante a semana, trabalha atrás do balcão de uma churrascaria de rodízio em Willesden Junction. A mesma pessoa que fez a observação sobre a falta de unidade ortográfica do poster, agora em voz mais baixa, respeitosa, explica para o companheiro ao lado, que as duas moças são pomba-giras e, quando não estão empombadas ou girando, estudam inglês numa escola de Oxford Street e aguardam uma decisão sobre a legalidade de seus casamentos. Uma com um polonês, outra com um escocês.

Deve haver, entre os assistentes, umas 6 pessoas. Quase o mesmo número de participantes ativos. Sem qualquer aviso, os trabalhos têm início. Quem informa é o boom box com o volume lá em cima espalhando pelo recinto tambores, atabaques e instrumentos de percussão variados.

O pai de santo solta o primeiro “êe” da noite. Levanta o braço direito como um boxeador que defende o rosto, deixa o esquerdo cair ao longo do tronco. Curvado, após mais um ou dois “êes”, se anuncia tomado. Lembra vagamente Chico Anísio numa de suas encarnações dos anos 70. Diz em voz negroide que o Caboclo das Sete Encruzilhadas estava presente. As pomba-giras executam uma pequena dança, os olhos voltados para o chão, as duas mãos cruzadas nas costas. “Êe” cantarolam suaves. Como se não querendo roubar a cena do Caboclo das Sete Encruzilhadas.

O rapaz de cócoras acende um charuto e passa-o para o pai de santo. Depois acende outro para ele mesmo. Não se sabe direito de onde, surge uma garrafa de cachaça. A 51. O caboclo dá uma boa talagada pelo gargalo. Passa a garrafa para as pomba-giras que repetem o ritual. O que sobra, e não é muito, volta para o rapaz no chão, que liquida de vez com a aguardente. Solta um “êê” em tom decidido e começa a sacudir as conchas na mão. O pai de santo executa algo parecido com passos de dança murmurando resmungos ininteligíveis.

Alguém, sempre o mesmo alguém misterioso, quase invisível, aumentou, ao que parece, o som do poderoso rádio de mão. Dois dos assistentes, um homem e uma mulher, de aspecto indistinto, vão se entender com o rapaz sem camisa, o preto véio. Pedem para que jogue os búzios. Que são jogados. Bem alto, todo mundo ouvindo, conclama quase com a mesma voz do pai de santo, apenas um pouco mais gutural, que é para ele tomar cuidado pois querem “quebrar a perna dele”. Depois, como uma vírgula, outro “êe” e agora a sorte é para a moça: ela que se cuide pois “cavalo preto quer montar nela”. Cara sem graça dos dois. No terreiro, charutadas, passos curtos e corcovas.

Uma ou duas horas depois, todos restabelecidos. Quem era para subir, subiu. Ficou quem era para ficar. O boom box agora na estação de reggae, bem baixinho. Servem croquetes, pão de queijo e caipirinha. Passam um vaso decorado com uma arara para contribuições destinadas a manter o terreiro, que não se destina a fins lucrativos, como deixam bem claro.

Na estação de Willesden Green, esperando o metrô que os leve ao centro, onde serão feitas as devidas baldeações, dois dos convidados de primeira viagem, comentam a autenticidade do evento de que participaram. Debatem ainda, sem muita erudição, pormenores do sincretismo religioso brasileiro, e quais as diferenças entre macumba, umbanda, quimbanda, candomblé e espiritismo kardequiano. Não entendem nada. Faz frio. Um deles solta um “êe”. O outro olha feio.
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Fonte:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/01/090211_ivanlessa_tp.shtml
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Publicado em:
http://sinapseslinks.blogspot.com/
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Janelas da Alma:
https://sites.google.com/site/eudisonleal/Home
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